sexta-feira, 6 de agosto de 2010


Tensão na sinfonia
Letícia Pimenta


Com seu apreço pelo rigor e pela excelência, o maestro Robert Minczuk implantou uma pesada rotina de trabalho na mais importante orquestra carioca. Além de melhorar a qualidade do conjunto, ele despertou a fúria dos músicos, com quem vive em permanente estado de guerra



Um simples convite para o Festival Internacional de Inverno de Campos do Jordão, o maior evento de música clássica da América Latina, provocou recentemente um motim na Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB). Inconformados com as condições da apresentação, marcada para sexta 9, os músicos exigiam seu cancelamento. Estavam tão contrariados que enviaram uma carta ao conselho curador da instituição, formalizando o pedido e reclamando acintosamente da hospedagem na cidade de São José dos Campos, a 90 quilômetros do concerto. No texto da correspondência, a insatisfação se concentrava nos deslocamentos que seriam feitos e em como os trajetos deixariam todos exaustos. Nas entrelinhas, havia algo mais. A decisão de registrar a queixa foi um importante capítulo na queda de braço travada entre os instrumentistas e o paulista Roberto Minczuk, que há cinco anos comanda o processo de reestruturação do conjunto. Cansados do seu estilo linha-dura, de sua filosofia militar, das horas e horas de ensaios, os artistas tentaram uma manobra para constranger e enfraquecer o regente a poucos dias do término de seu contrato, que se encerra no fim do mês. Em vão. Encantado com seu desempenho, o conselho manteve o espetáculo na cidade paulista, em um claro respaldo à posição do maestro. E mais: já decidiu que vai renovar seu compromisso até 2015. Mas a tensão entre o dono da batuta e seus subordinados não deve diminuir por causa desse episódio. Ao contrário. Vai permanecer aguda até que um dos lados resolva ceder, um cenário improvável no momento. “Vou transformar esta orquestra em referência internacional até a Olimpíada”, planeja Minczuk, 43 anos. “Não pretendo desistir antes disso.”

Injetar ânimo novo em uma estrutura decadente, minada pelo comodismo, é provavelmente um dos desafios mais complexos em termos de liderança, seja em uma sinfônica, seja em uma empresa, seja em uma redação de revista. A resistência às mudanças é natural, uma reação instintiva por parte de quem se acostumou a viver em uma zona de conforto. O roteiro dessa ópera é conhecido. Um belo dia, alguém novo, em geral com um histórico completamente diferente do daqueles que ali estavam, chega e diz que tudo o que era feito antes precisa ser transformado. Os objetivos agora são outros. Os critérios de avaliação também. Quem antes estava por cima passa a ter de provar novamente o seu valor, e, nessa trajetória, alguns são mandados embora. Por tudo isso, é compreensível que o organismo afetado procure rejeitar, com todas as suas forças, esse “invasor”. Encarado como um forasteiro, Minczuk encarna esse papel à perfeição. Desde que assumiu a orquestra, em agosto de 2005, já enfrentou sucessivas rebeliões e demonstrações explícitas de desapreço. É acusado de instaurar um regime marcial, com uma rotina de longos ensaios e um altíssimo grau de exigência técnica. Dependendo do ponto de vista, poderia ser até admirado por tais características. Os músicos, no entanto, não estão nada felizes com o ritmo adotado. Eles reclamam da redução nas folgas e de tendinite. Dizem que ele é ríspido no trato e pouco sensível aos desejos do conjunto. Resumo da ópera: um déspota sem coração. “Ele é inacessível, mal escuta o que temos a dizer”, ataca um instrumentista que pediu para não ser identificado.

Matéria retirada do site da revista Veja rio: http://vejabrasil.abril.com.br/rio-de-janeiro/editorial/m1961

1 comentários:

Bráulio Freitas disse...

Uma coisa é fato. O desgaste com translados e deslocamentos com certeza diminui o conforto e a qualidade dos musicistas.

Torço para que acaudalosa riqueza de nosso pais seja enfim dividida entre as manifestações ainda mais ricas de cultura.

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