domingo, 18 de novembro de 2012

Paulinho da Viola: um timoneiro septuagenário

Uma das lembranças que mais marcaram a vida do compositor foi a vitória do Brasil Copa do Mundo de 1958 quando  o  céu ficou repleto de balões.

 

 

Texto: Virgílio de Souza

Fotos: site do cantor

  Um de nossos principais compositores chega                

   aos 70 anos esbanjando energia e otimismo




  O carioca tem maneira de rotular e apelidar as pessoas. Às vezes de forma carinhosa, às vezes em tom de deboche e em outros casos como puro reconhecimento e respeito. Não por acaso, o cantor e compositor Paulinho da Viola que neste dia 12 de novembro completou 70 anos, passou a ser reconhecido como um cantor elegante. De fato o é. Arlindo Cruz soube entrar em sintonia com este coletivo e colocou na letra do samba “O Sambista Perfeito”, uma bela homenagem a grandes sambistas e compositores a definição perfeita que se pode encontrar para Paulinho da Viola, quando ao se referir ao cantor escreveu: “Elegante de um Jeito Paulinho”.


Paulinho da Viola é mesmo uma figura elegantemente rara. Falar compassado, voz baixa, sorriso cativante e, com uma doce meiguice no olhar, é uma pessoa que procura ser sempre cuidadoso com o que fala e atento ao que houve.

Além de elegante, é extremamente cuidadoso profissionalmente como se pode observar durante o show que realizou no Circo Voador, no último dia 29 de setembro. O show estava marcado para as 23h. Ele chegou silenciosamente às 19h30, quando os músicos faziam a passagem de som. Dirigiu-se ao centro do Circo que estava completamente vazio e ouviu atenciosamente cada um dos instrumentos. Conversou com o técnico de som sobre alguns ajustes, fez observações indicando, inclusive como deveria ser a distribuição dos músicos no palco e só depois subiu ao palco para cumprimentar cada um dos componentes da banda, para então, iniciar sua participação na passagem de som, que se iniciou por volta de 20h30. Antes de subir ao palco comentou:

- Tem que ser assim, cada palco tem suas características próprias. É preciso ter cuidado com o som, pois nada mais desagradável que você encontrar alguém após um show e a pessoa dizer que não ouviu bem. As pessoas saem de casa, vem assistir um show e é nosso dever respeitá-las. Temos que oferecer o melhor.

Por volta da meia noite, quando o show se iniciou, a decepção: o som não saia, a voz estava extremamente baixa, com as quase 2 mil pessoas que estavam dentro do Circo se esforçando para ouvir e Paulinho, fazendo um esforço sub humano para cantar. Foi um início de show lamentável. Mas apesar disso, em nenhum momento protestos, vaias, cobranças. No meio do show tudo se acertou, o som ficou perfeito e quando o espetáculo terminou, toda aquela multidão entoava como em agradecimento seu nome. “Paulinho, Paulinho, Paulinho...”. O experiente cantor olhando aquela manifestação de carinho e respeito se mostrou profundamente emocionado. No fundo, cada uma daquelas pessoas parecia dizer: “Estamos elegantes de um jeito Paulinho”.



Um timoneiro septuagenário

Chegar aos 70 anos não é motivo de incômodo para Paulo César Batista de Faria. Ao contrário, ele se diz num momento de extrema sensibilidade.   Nascido em Botafogo, e criado no Morro do Pasmado, quando ali ainda havia residências, o cantor é vascaíno convicto e portelense de muitos carnavais. Nesta entrevista além de falar de sua vida profissional, ele faz uma reflexão sobre a importância de se chegar aos 70 anos, fala de sua infância, de suas lembranças e de alguns períodos que viveu. 
                Apesar de falar do passado ele esta atento ao presente e ao futuro. No próximo dia 17 Paulinho estará se apresentando no Parque de Madureira, local onde fica sua Portela e de muitos rios que passaram em sua vida. No dia 28 de novembro, o cantor se apresentará no badaladíssimo palco do Carnegie Hall, em Nova York, com todos os ingressos esgotados a mais de três meses e, finalmente, no dia 11 de dezembro estará cantando e encantando nossos hermanos, quando se apresentará no Teatro Coliseo, em Buenos Ayres.
                A entrevista com Paulinho da Viola foi iniciada durante sua participação no  Depoimento para a Posteridade, realizada no dia 27 de julho no MIS. No intervalo de seu depoimento ele respondeu algumas perguntas, no final do encontro, atenciosamente parou para uma nova bateria de perguntas. Parte da entrevista foi extraída exatamente deste depoimento e pode ser visitado no site na instituição. Outra parte obtida durante o show realizado no Circo Voador no dia 29 de setembro.

 
  Capital Cultural - Completar 70 anos o que isso representa para você?
Paulinho – Você fica mais perceptível e mais atento a tudo que está a seu redor. Eu, por exemplo, tenho ficado com a audição muito mais apurada e muito mais sensível. O barulho do entorno de certa forma me incomoda e me tira a concentração. Não tenho grandes lamentações, mas às vezes me incomodo com o fato de não ter conversado mais com meus pais, procurado saber de suas histórias, de suas vidas. Acho que saber da história de pessoas que fazem parte de nossa história e de nossa trajetória, de nossas vidas é algo muito importante, pois com isso, nos possibilita saber de nossa própria história..

                Capital Cultural – Você é uma pessoa saudosista?
Paulinho – Não diria saudosista, mas gosto de me recordar das coisas e dos fatos. De alguma maneira isso nos causa inspiração, implosão de reencontros e belas sensações. Penso que tudo que vivemos está dentro de cada um de nós. Essas sensações e percepções acontecem e se manifestam de diversas maneiras, das mais diversas maneiras ao longo da vida. Não me considero uma pessoa saudosista. Somos um amontoado de lembranças e às vezes nos recordamos delas com carinho.
                Capital Cultural – Quais as principais lembranças e sua infância?
Paulinho – Era diferente de hoje. Jogava bola, bolinha de gude. Nossa realidade era diferente, pois tínhamos que fazer nossos próprios brinquedos. Foi uma infância pacata, porém muito feliz. Brincávamos na rua, pés descalços e ninguém tinha nenhum problema de saúde, ninguém ficava doente, não conhecia esta palavra anticorpos.  Estudava no Jardim de Infância Joaquim Nabuco Martins Ferreira e até hoje quando ouço a música “Qui Nem Jiló”, (de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira), me lembro do colégio que estudei. Tenho a imagem perfeita, daquela época. Essa música me remete ao passado. Tenho a entrada do colégio, a distribuição das salas vivas. Tenho muitas outras belas lembranças que guardo com carinho. Em 1958, quando o Brasil foi campeão o céu ficou cheio de balões, eram muitos balões, num tempo em que se podia soltar balões e que os balões eram um dos principais atrativos do carioca.  Guardo com muito carinho a lembrança de ver o Brasil campeão do mundo e todos aqueles balões. Era um tempo romântico, simples, mas perdemos este encanto, pois com o crescimento da cidade, das fábricas e edifícios, hoje não se pode mais soltar balões.
                Você foi batizado como Paulo César Batista de Faria e um dia foi transformado em Paulinho da Viola, quando isso começou?
Paulinho – Não, na família era chamado de Paulo. Isso foi já muito tarde quando freqüentava o Zicartola*. Foi uma coisa do Zé Ketti e do Sérgio Cabral. Tinha que apresentar o nome do grupo num trabalho que realizamos e, eu falei que meu nome era Paulo Costa, mas ao que parece o Zé Ketti falou para o Sérgio Cabral que meu nome era Paulinho da Viola. No outro dia, para meu espanto, estava no jornal Paulinho da Viola e depois disso a coisa pegou.

*O Zicartola (acrônimo de Zica e Cartola) foi um restaurante aberto no Rio de Janeiro em setembro de 1963 por Cartola e sua mulher Dona Zica. Foi ponto de encontro de sambistas de destaque na cultura brasileira, como Elton Medeiros, Nelson Cavaquinho, Ismael Silva e Aracy de Almeida, e grandes nomes da bossa nova, como Carlos Lyra e Nara Leão. Também foi palco do lançamento de Paulinho da Viola.
Paulinho – Cantar, compor ou tocar, você tem alguma preferência?
Paulinho – Na verdade eu não gostava de compor e quem me incentivou foi Zé Ketti (José Flores de Jesus, um dos compositores mais conceituados no mundo do samba e ficou conhecido como Zé Ketti ), juntamente com Hermínio Bello de Carvalho. Sempre gostei mais de tocar e, preferencialmente samba. Para falar a verdade, até 1969, quando compus “Foi um Rio que Passou em Minha Vida”, tinha dúvidas se seguiria a trajetória de músico ou não. Música não era uma coisa tão profissional, não se vivia só de música, tinha uma relação muito mais de prazer que uma relação profissional. Pensava sempre na experiência de outras pessoas e só pensei mesmo de forma mais séria quando vieram os festivais.

Capital Cultural – Você passou por três grandes transformações musicais, a chegada do rock, posteriormente a bossa nova e finalmente o tropicalismo. Como foram estas novidades musicais em sua vida?
Paulinho – O rock foi uma explosão. Quando estreou o filme “O Balanço das Horas”* houve uma grande agitação. Cinemas eram quebrados, houve a história de um cara que deu um tiro na tela. Achava tudo aquilo muito agitado e me senti deslocado em relação ao ritmo. Achava aquilo uma loucura e comecei a criar um olhar de distanciamento e fiquei fora.  Quanto à Bossa Nova também era algo moderno e deu um corte no que existia, mas eu tinha muito apreço pelos valores tradicionais. Foi uma transformação em nossa música, que, entretanto não invalidou o que tínhamos. O Tropicalismo foi um leque de possibilidades que apesar de muitas novidades abria espaço para todos, para todas as tendências. 

* O Balanço das Horas foi lançado pela Columbia Pictures em 1956.Foi o primeiro filme que tinha como tema principal o rock, ritmo que na época tomava conta do mundo e causava o maior alvoroço na juventude.

EC – Você numa bela letra escreveu: “andam dizendo por ai que o samba acabou, só se for quando o dia clareou”. Como você vê o momento atual do Samba e do Choro na MPB?
Paulinho – Isso não é tão simples de responder. O samba e o choro conseguem manter vitalidade. Em diversas ocasiões já demonstraram que, mesmo não estando na mídia, eles têm um grande público e uma legião de admiradores, de pessoas apaixonadas que gostam, curtem e se envolvem. Um público que se faz presente e não deixa esta coisa desaparecer, pois caso contrário, já teria desaparecido. Este sentimento das pessoas pelo samba e pelo choro é muito forte e não diminui de intensidade. Não sabemos quantificar quantos grupos de choro gravam e quantos não conseguem gravar o trabalho que realizam são apaixonados anônimos que o fazem por amor. O mesmo se pode dizer em relação ao samba. São ritmos que se mantém vivo e que vão além do poder da mídia. Isso pra mim fica muito claro em meus shows quando vejo a grande participação de jovens que sabem e curtem a letra dos sambas. Não se pode pensar em um momento atual para o samba e para choro, pois são ritmos que são sempre atuais.

Capital Cultural – Você fez uma abordagem sobre a mídia. Vivemos uma época onde a televisão se tornou quase que imprescindível para um artista ter sucesso. Qual sua análise sobre o poder da televisão?
Paulinho — A televisão, de fato, tem um grande poder. Transforma alguém em sucesso em razão da repetição, quando apresenta um mesmo artista, com uma mesma música, várias vezes, num curto espaço de tempo. Faltam programas de qualidade para o músico se apresentar, mostrar seu trabalho. Músicas que fazem sucesso normalmente são as que aparecem nas novelas o que consequentemente leva o artista aos programas de entrevistas. Um músico atualmente aparece na TV muito mais dando entrevistas do que cantando.  Havia um tempo dos grandes musicais onde os novos talentos tinham espaço para se apresentarem e mostrarem o trabalho que desenvolviam, por outro lado, existiam também os festivais. Hoje, isso acabou.

Capital Cultural – A transformação nas escolas de samba que ficaram mais aceleradas é algo que te incomoda?
Paulinho – Essa transformação foi lenta e gradual e foi o Capinam (José Carlos Capinam), considerado um dos grandes letristas de sua geração, tendo participado ativamente do movimento tropicalista no fim da década de 60) que me chamou a atenção para este fenômeno. Antes a coisa era feita muito na base do amor e depois começou a ficar muito acelerada. Penso que pra quem esta chegando, entrando no samba agora, tudo bem, mas para quem já viveu outra coisa, experimentou outro contexto, é muito difícil se acostumar.
Capital Cultural - Você faz parte de uma geração que enfrentou um período conturbado com a ditadura militar.  Como foi este período para você?
Paulinho – Confesso que não tive problemas. No máximo tive uma ou outra música censurada. Muitas pessoas pensam, acreditam e às vezes me indagam se fiz “Sinal Fechado” (uma de suas músicas de mais sucesso) pensando nos militares ou naqueles que foram reprimidos. Confesso que não foi o caso. A música surgiu desta coisa das pessoas se encontrarem e dizerem: “quero falar com você”, “preciso falar com você”, e, entretanto, nunca falarem. A letra é em razão de um amigo do Recife que sempre que encontrava no Rio, sempre me dizia: “temos que nos falar”, “depois nos falamos”, mas efetivamente nunca conseguíamos nos falar. Sobre o Regime Militar, nunca participei diretamente, mas fui muito solidário e compreendia as dificuldades daquele momento. Sabia da dor e das dificuldades das pessoas e fiz muitos shows para ajudar os presos políticos.

Capital Cultural – Politicamente como você se colocava?
Paulinho – Todos éramos de alguma maneira engajados em um partido. Eu sempre participei, mas nunca quis me afiliar a nenhum deles. Não gostava de ideia de ficar sendo chamado de fileira ou de quadro do partido.

Capital Cultural - Está nas mãos da presidente Dilma o projeto de lei que transforma o exercício do compositor em profissão. O que você acha da idéia?
Paulinho – A história é cheia de grandes compositores, independente de a profissão ser ou não regulamentada eles são profissionais. Acho que o compositor há muito tempo precisa deste reconhecimento e precisa ser remunerado por isso. Sabemos da história de vários compositores que foram prejudicados, que foram passados para trás e obrigados a assinar contratos em branco. Por tudo que representam para nossa cultura, os compositores merecem este reconhecimento.

Capital Cultural - Apesar de toda experiência, você ainda fica tenso antes de uma apresentação?
Paulinho — Quando faço uma estreia ainda fico nervoso. Em algumas ocasiões chego até a esquecer da letra de uma música. Atrapalho-me também um pouco com pessoas que se manifestam durante o show na hora errada. Como falei estou mais sensível, e mais perceptível a tudo que ocorre ao meu redor e isso de certa forma, cria certa falta de concentração.

 



Leia mais...

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Áurea Martins - Entrevista




Além da invisibilidade midiática
permanentemente presente...

A mídia cria mitos, fenômenos, e celebridades todos os dias e da noite para o dia. Em alguns casos artistas sem valor, sem qualquer qualidade, mas por serem bem apadrinhados, bem relacionados ou com dinheiro o suficiente para pagar jabás, conseguem ganhar capas de jornais e desataque em  programas de televisão. A regra do jogo tem sido assim, mas felizmente, e para o bem geral da nação, toda regra tem exceção.

            Áurea Martins é uma dessas exceções. Não “explodiu”, não conseguiu o sucesso que poderia obter por sua qualidade, mas a máquina da visibilidade midiática, a grande fábrica dos jabás, de alienação e alienados, não fez com fosse mais uma que caísse no esquecimento.

            Se o termômetro para se medir a qualidade de uma cantora fossem seus fãs e admiradores, Áurea seria uma das mais consagradas: se curvaram a seu talento, dentre outros. Elizete Cardoso, que saia de casa só para vê-la cantar, Hermínio Belo de Carvalho, um de seus maiores admiradores, além de Alcione, Emilio Santiago, Djavan e mais recentemente Moyseis Marques, que fez uma música em sua homenagem em seu último Cd.

 

Áurtea, uma figura além dos "esquemões"

Não precisaram os holofotes da mídia globalizada, alienada e alienante se voltar para a talentosa cantora.  Desde que saiu de Campo Grande, bairro de subúrbio do Rio de Janeiro, até ser agraciada em 1969, no palco do Theatro Municipal quando se sagrou vencedora do programa “A Grande Chance”, comandado de Flávio Cavalcanti,  Áurea sempre teve luz própria e sempre se fez presente.
            A premiação naquele que era um dos programas mais importantes da época, onde levou nota dez de todos os jurados veio três anos depois, em 1972, com a gravação do primeiro LP, “Amor e Paz”, com Luizinho Eça e a participação do escritor Paulo Mendes Campos declamando poemas de Vinicius de Moraes
            A trajetória daquela escurinha chamada Adilma Pereira dos Santos com seu sorriso encantador , reluzente e áureo, se iniciou, na verdade, no início da década de 60. Foi nesta época, que ganhou de Paulo Gracindo que ao lado de Mário Lago apresentava o programa “Tribunal de Melodias”, na Rádio Nacional, o apelido de Áurea. Segundo Gracindo “seu sorriso era reluzente como ouro”.  Na ocasião a jovem e encantadora cantora dividia palco com nomes consagrados como os de Ângela Maria e Zezé Gonzaga, e outros que logo iriam estourar como Elis Regina.
            O tempo passou os atores e personagens foram mudando, mas Áurea sempre se fez presente. Nas décadas de 70 e 80, dividiu o palco com diversos cantores importantes como Alcione, Emílio Santiago, Elza Soares, Johnny Alf, Baden Powell, Cauby Peixoto, Mílton Nascimento, Marisa Gata Mansa, Carmen Costa, Dona Ivone Lara, Leci Brandão, Zezé Gonzaga, Nélson Sargento, Chico Feitosa, e outros. Na década de 90 participou das gravações dos songbooks de Tom Jobim e Chico Buarque, produzidos por Almir Chediak para a gravadora Lumiar.
            Ao longo da carreira, gravou poucos discos: apenas quatro: além do gravado com Luizinho Eça, em 1972, só em 2004 colocou seu segundo disco na praça, quando lançou o disco “Áurea Martins”. Finalmente em 2008 teve oportunidade numa grande gravadora quando lançou pela Biscoito Fino, o CD “Até Sangrar”. Um trabalho muito bem elaborado, que teve as participações de Francis Hime, Alcione e Emílio Santiago. Por este disco foi agraciada como Melhor Cantora no Prêmio da Música Brasileira de 2009. Em 2010, Áurea lançou, também pela Biscoito Fino, o CD “DePontaCabeça”,  comemorativo aos seus 70 anos e onde interpretava somente músicas com letras de Hermínio Bello de Carvalho.
            No início de 2000, foi uma das primeiras a se apresentar no Rio Scenarium e no Carioca da Gema, as duas casas de samba que mais se projetaram na denominada renovação da Lapa. É hoje uma das figuras mais queridas e respeitadas pela nova geração de cantores e compositores da cidade e tida para muitos como referência de uma vida profissional exemplar.
            Não bastasse tudo isso, o curta-metragem “Áurea” de Zeca Buarque de Hollanda, que estreou em 2009, no Curta Cinema, no Rio, foi premiado em dez festivais no Brasil, além de uma importante premiação na França. O filme fala do artista que trabalha na noite, e a realidade de Áurea, deixando o trabalho altas horas da madrugada, para pegar o ônibus e voltar à sua residência em Campo Grande.



Capital Cultural – Neste dia 8 de março comemoramos o Dia Internacional da Mulher.  Antes de falarmos de sua vida profissional, vamos falar desta condição de ser mulher na sociedade brasileira. Você é uma pessoa observadora, sensível e acima de tudo guerreira. As coisas melhoram muito para o universo feminino?
Áurea - Meu amigo, vou te dizer o seguinte: ser mulher em nossa sociedade é muito difícil. Uma barra pesada, muito pesada. Claro que hoje é muito mais fácil, mas ainda assim, é muito difícil. Ser mulher não é pra qualquer um. Poetizando vou te dizer o seguinte: quando uma mulher se rebela, quando se revela é muito mais forte que o homem. Minha situação e a de muitas outras mulheres é ainda mais complexa, pois ser mulher e negra em nossa sociedade é ainda muito mais complicado...

            Capital Cultural – Nossa... Começamos falando de um assunto complicado que é ser mulher e você trás ainda um assunto mais complexo que é ser mulher e negra... Tá bom... Então vamos falar de ser negro em nossa sociedade. Como é ser negro em nossa sociedade?
Áurea - Apesar de tudo e de muitos, te diria que ser negro em nossa sociedade é uma glória. Nossa sociedade é complexa, extremamente complexa, pois somos uma sociedade miscigenada e muita gente não tem consciência de seu DNA. Não tem consciência de nada. Ter que lutar contra isso é uma barra. Te diria que pra ser negro no Brasil é preciso ser  forte. É um permanente exercício de força. A sociedade deveria louvar o negro, teria que botar num altar e reverenciar. Tudo para o negro é muito mais difícil. Digo mais com todas as dificuldades, com todas as formas de segregações que existem, se eu morrer amanhã e tiver a oportunidade de voltar, quero voltar negra. Orgulho-me de ser como sou.

            Capital Cultural – Nesta discussão de cor aconteceu uma coisa interessante, pois alguns brancos, principalmente da Academia, acham que o problema no Brasil não é de ordem racial e sim de classe social. Qual sua leitura sobre isso: nosso problema é de classe ou de raça?
Áurea – Esta discussão de classe é uma grande balela. Acho que alguns não querem assumir o preconceito existente em nossa sociedade. Você pega, por exemplo, o Pelé, que teoricamente seria o negro que mais conseguiu se projetar e volta e meia ele é motivo de piadinhas. Certa vez uma mulher declarou na minha frente: “quem esse negão pensa que é”? - Nem o Pelé esta livre do preconceito. Essa gente não aceita o negro se projetar. Essas pessoas são obrigadas a engolir a ascensão do negro, mas aceitar não, elas não aceitam. O preconceito no Brasil é uma coisa vergonhosa. Esse preconceito velado, camuflado que existe, mas que  fingimos que não existe é uma coisa patética e vergonhosa. Você se projeta, consegue seu espaço, mas há um recado implícito em tudo isso do tipo: “Oh você se deu bem, mas fique ai no seu cantinho”... É assim que funciona.

            Capital Cultural – de alguma maneira isso te revolta?
Áurea – De maneira nenhuma. Ser negro é ser forte, e ser nobre, lutador e capaz de passar por cima de todas essas besteiras, de todas essas fronteiras. Você vai aprendendo com a vida. Te digo o seguinte meu amigo: o problema não é ser mulher ou ser negra, o problema é ser preconceituoso. Isso sim é uma doença. Se alguns me olham de lado por ser negra, olho de frente para essas pessoas com extrema compaixão por serem pessoas doentes, pois preconceito, isso sim é uma doença.

            Capital Cultural - Ser mulher, ser negra, ser carioca.... Essa entrevista acontece num momento singelo, pois estamos próximos ao aniversário de 447 anos do Rio. Você já falou de ser mulher e ser negra, e ser carioca, como é isso? – É apenas um rótulo, um produto de marketing, ou de fato é diferente?
Áurea – Não é peça de marketing ou apenas um rótulo. Vai além, muito além. Te diria que ser carioca é um permanente estado de espírito. Tenho orgulho de ter nascido nesta cidade e viver aqui. É bom viver nesta cidade tão misturada, tão complexa, com tantas contradições, mas que apesar de tudo consegue manter o astral. É ótimo subir uma favela e ver o Rio de Janeiro lá de cima. Já passei horas da Rocinha vendo o Rio lá embaixo, as pessoas com maior poder aquisitivo, se deliciando, curtindo a vida tendo do bom e do melhor e por outro lado, o povo menos favorecido tendo que lutar, correndo atrás, batalhando, mas acima de tudo tendo esperança. Essa contradição de classe social é muito curiosa. Quem está lá em cima convive harmonicamente com quem está lá embaixo. O curioso de tudo isso é quem está lá em cima olha pra tudo isso com um olhar superior, pois está lá em cima, logo está por cima.

            Capital Cultural – Além de carioca, você é suburbana. Há nisso uma grande diferença, como é ser suburbano?
Áurea – É... tenho um suburbano coração. No subúrbio este estado de espírito carioca é mais solidário. Suburbano não perde manias que se adquiriu na infância e na juventude, como por exemplo, pedir açúcar ou pó de café ao vizinho. Pra muitos isso é pobreza, mas para o suburbano é solidariedade. O suburbano é sempre preocupado com o outro. É fraterno, mas despojado, participa da vida coletiva da redondeza. Lá a concorrência é menor e a vida mais coletiva. A parte da cidade cercada de concreto e edifícios e medida por status social é mais individualista é mais competitiva e indiferente.
 
            Capital Cultural – Ricos e pobres... Contradição social é uma coisa curiosa e perversa. Poucos tendo muito, muitos não tendo quase nada. Qual a sensação isso te causa?
Áurea – Observo e lamento essa desigualdade, mas em tudo isso, me sinto orgulhosa e durmo bem todas as noites. Nunca mexi em nada de ninguém. Nunca tive essa ânsia do ter, do poder. Nunca armei, nunca roubei, nunca criei situações escusas de favorecimento. Nunca coloquei um puto no bolso do dinheiro público. Os valores estão invertidos, as pessoas fazem o que querem roubam quando querem e nada acontece. É lastimável, mas é assim que funciona. Neste sentido a sociedade está doente.

            Capital Cultural – Você falou em dinheiro público, armação, favorecimentos, palavras que lamentavelmente nos faz lembrar de nossos políticos. Qual seu olhar sobre nossa classe política?
Áurea – Olha, eu tenho uma visão muito particular da política e vou na contramão de muita gente. Não acho que a política seja um lugar de pilantras, espertos e pessoas desonestas. Olho, por exemplo, a presidente Dilma fazendo faxina, tentando melhorar as coisas e não escondo que fico feliz. A culpa da maioria dos problemas que acontecem na política é nossa, da sociedade, de cada cidadão. Nós temos que vigiar, temos que tomar contar, ficar de olho. Não gosto desta coisa de desmoralizar a classe política. Não sei a quem isso interessa, mas sabemos que existe muita gente boa, muita gente honesta e preocupada com o país, com os problemas sociais e ambientais Nós é quem temos escolher de maneira certa. Se escolhermos pilantras, se votamos pensando em favorecimento em nos dar bem, pagamos um preço alto por isso. O político reflete a sociedade. Acreditar que só tem gente que não presta, seria acreditar no fim, no caos. Acredito muito na força dessa juventude.

            Capital Cultural – Juventude... Outro assunto complexo. Você acha esses meninos piores, melhores, mais integrados, mais alienados... Qual sua percepção dos jovens?
Áurea - Acho que a maior parte, que uma grande parte está muito antenada, muito informada com acesso à cultura, a informação e com isso em condições do discernimento. Há outra parcela completamente alienada e que as pessoas se aproveitam disso e procuram alienar cada vez mais. As comunidades mais carentes já não são compostas por pessoas bobas e ingênuas como no passado. Você não pode questionar que um menino que faz hip hop ou funk esteja ligado no que acontece à sua volta e ciente dos problemas que acontecem. Eles sabem dos problemas políticos e dos problemas sociais.  Tem muito menino de morro fazendo muita coisa boa e temos que respeitar levar em consideração e não desacreditar dizendo que isso é uma manifestação sem valor. Esses meninos descem para Lapa e dão conta do recado, mostram que sabem o que estão fazendo e estão fazendo com qualidade.

            Capital Cultural – Você falou em Lapa. Qual seu olhar sobre a Lapa, essa transformação do lugar com tantas casas, com tantos bares...
Áurea – A Lapa mudou e vem mudando muito. Algumas coisas melhoraram um pouco e outras pioraram muito. Talvez o maior problema é que uma parcela da burguesia tem se aproveitado, tem se apropriado  da Lapa e indo ali não para curtir todas as possibilidades culturais que existem, estão impondo, outros hábitos, outras manias e transformando aquilo apenas num modismo. Virou um lugar de playboyzinho mostrar camisa de grife e um ponto de “azaração”. Houve uma invasão de pessoas sem nada haver, sem nenhuma identidade.

            Capital Cultural – Já que falamos de Lapa, vamos falar de música. Como você vê essa safra de jovens e promissores cantores que surgiu na Lapa? – Você gosta do que tem visto?
Áurea - Gosto tanto que temo falar disso e cometer a injustiça de deixar algum nome de fora, e já de forma antecipada me desculpo se deixar de mencionar alguém. De cara vou falar do Moyseis Marques, que fez uma música em minha homenagem em seu novo disco que me deixou muito emocionada. Mas adoro toda essa gente, Alfredo Del Penho, Pedro Paula Malta, Nilze Carvalho, Elisa Addor, Ana Costa, Luiza, Dionizo, Lúcio Sanfillipo, Teresa Cristina, Mariana Bernardes, Verônica Ferriani e tem o Casuarina, o Sereno na Madrugada, Orquestra Lunar, o Grupo Semente.   Meu Deus... ficaria aqui falando nomes e nomes e ainda assim cometeria a injustiça de esquecer alguém.  São meninos muito inteligentes que vão fazer história.

            Capital Cultural – A exemplo do que aconteceu com você e com muitos outros de sua geração, essa safra que surge na Lapa tem encontrado muita dificuldade para se projetar. O mercado musical é muito perverso para esses novos valores.
Áurea – São poucas oportunidades para que se mostre o trabalho principalmente nas emissoras de rádio, por causa deste maldito jabá. Para tocar tem que pagar. Eu não pago, nunca paguei e acho que essa geração tem isso de positivo, pois não os vejo mendigando de emissora em emissora e se humilhando para jabazeiros e oportunistas. Eu não pago. Se depender de mim estão entubados, estão ferrados. Tem muita coisa boa que deixa de ser mostrada e muita coisa ruim e de péssima qualidade tocando toda hora. Esses caras pensam que nossos ouvidos são penicos. Mas enfim... Me orgulho da postura dessa garotada. São meninos dispostos, determinados que fazem pesquisa, estudam e me deixam muito orgulhosa.

            Capital Cultural – Cantar, ser cantora é um dom de poucos. Pra você o que é ser cantora, o que é ter esse dom?
Áurea  Em apenas uma frase, diria que cantar é sentir. É transmitir sentimentos. É ser uma atriz. É isso que penso.

            Capital Cultural – Você é uma mulher muito sofisticada por sua postura, por sua voz, por sua elegância e por saber se impor.  Por outro lado, você é bastante direta, não curte frescuragens, baboseiras, e, por exemplo, não esconde de ninguém que tem 72 anos. Como é ter 72 anos, como você se cuida?
Áurea – Esse negócio de esconder idade é pura vaidade, e vaidade é um dos grandes problemas de nossa sociedade.  Quanto a me cuidar, me alimento bem, faço caminhadas, não bebo, não fumo, não como carne, Minha alimentação é orgânica. Diria que sou uma pessoa em harmonia, e acho que a razão de viver bem e de terem me acontecido coisas tão boas, é que não desejo mal a ninguém. Faço o que posso para ajudar meu semelhante. Fazer bem me faz bem. Minha filosofia de vida é a solidariedade. Não podemos querer o mal, pois isso volta. Podem até achar que não, mas tudo que vai volta.

            Capital Cultural – Para terminar... O que você espera da vida, o que você espera conquistar?
Áurea   Menino... Sou uma pessoa abençoada. Todo dia agradeço a Deus pelas coisas que conquistei. Nunca desejei luxo, riqueza, excessos. O que mais posso querer? – O que mais posso querer conquistar? Estou feliz com a vida que me foi dada e com a parcela que me coube. Vivo de forma simples, mas sou uma pessoa feliz e harmônica.





 

Leia mais...

quarta-feira, 14 de março de 2012

Melhores show de 2012

Pelo décimo ano consecutivo o Jornal Capital Cultural elege os melhores shows realizados em cada uma das melhores casas do Centro Histórico.
A eleição é realizada por um júri muito especial e que acompanhou cada um desses shows durante o ano inteiro. Fizeram parte desse júri, funcionários de cada uma dessas casas: operadores de som, garçons, produtores culturais e musicais proprietários e gerentes. Agradecemos a todos que carinhosamente participaram desta eleição e parabenizamos não só aos vencedores, mas a todos que fazem do Rio Antigo, este pulsar musical e cultural de uma cidade, de fato, maravilhosa.

Vencedores:
Bola Preta:
Zé da Velha e Silvério Pontes

Segundo Lugar: Moyseis Marques.
A dupla Zé da Velha e Silvério Pontes que se apresentam aos domingos no Bola Preta, foram os indicados como melhor show do ano. De fato uma escolha merecida. O cantor e compositor Moyséys Marques, foi o segundo mais votado.

Fundição Progresso:
Lenine

Segundo Colocado: Nando Reis
O cantor e compositor Lenine foi o mais votado na Fundição Progresso, uma casa que teve apresentações de grandes nomes de nossa música, além de artistas internacionais. Nando Reis com excelente votação ficou em segundo lugar

Sacrilégio
Batuque na Cozinha

Segundo Colocado: Roda de Bamba
O Grupo Batuque na Cozinha foi apontado como melhor show realizado no Café Cultural Sacrilégio em 2011. O grupo com excelente repertório vem melhorando sua qualidade musical a cada ano. O Grupo Roda de Bamba foi o segundo mais votado.

Carioca da Gema
Richahs

Segundo Colocado: Claudinho Guimarães.
Richahs é dono de uma voz das mais privilegiadas e já esteve à frente de algumas das principais escolas do carnaval do Rio de Janeiro . Este ano o intérprete teve reconhecido todo seu talento pelos funcionários da casa que o elegeram. Claudinho Guimarães, para muitos um dos grandes compositores do samba carioca ficou em segundo.

Circo Voador
Jorge Ben Jor

Segundo Colocado: Mart’nalia
O cantor e compositor Jorge Ben Jor com todo seu swing, energia e animação foi apontado pelos funcionários do Circo Voador como melhor show de 2011. Mar'tinália que a cada ano vem consolidando sua carreira, foi a segunda mais votada.

Estudantina Músical
Moyséis Marques
Segundo Colocado: Raimundo Fagner
Moyseis é um cantor versátil, que procura sempre renovar seu repertório. Sem falar que se trata, também, de um compositor de extraordinária sensibilidade e, para muitos, a maior revelação do samba carioca dos últimos anos. Fágner que um dos principais nomes da MPB ficou em segundo

Parada da Lapa
Leandro Sapucahy

Segundo Colocado: Grupo Bom Gosto
O cantor e compositor Leandro Sapucahy, numa dos nomes que mais vem se projetando no cenário da musica carioca e brasileira, foi apontado pelos funcionários do Parada da Lapa como o melhor show na casa em 2011. O Grupo Bom Gosto que teve excelente votação ficou com a segunda colocação.

Teatro Rival
Moacir Franco

Segundo Colocado: Roberto Menescal
O experiente Moacir Franco de tantos sucessos fez um show de raríssima beleza no Teatro Rival, um dos palcos mais concorridos da cidade. Um dos nomes mais conceituados de nossa música, Roberto Menescal que se apresentou ao lado de Cris Delano e And Summer ficaram em segundo.

Memórias do Rio
Grupo BB Maia e Banda Beco
Segundo Colocado: Cimara
O grupo BB Maia e a Banda Beco com muito swing e animação em suas apresentações foram apontados como melhor show do ano no Memórias do Rio. A experiente Cimara foi a segunda mais votada.

Mangue Seco
Turma do Estácio

Segundo Colocado: Grupo Toque de Linha.
A Turma do Estácio, chegou, agradou e se tornou uma das principais atrações da Cachaçaria Mangue Seco. Este é o segundo ano que o grupo vence a eleição na casa. O Grupo Toque de linha, que também vem se destacando foi o segundo mais votado.

Trapiche Gamboa
Grupo Razões Africanas

Segundo Colocado: Rodrigo Carvalho
Apesar de já não contar com a presença de Lúcio Sanfillipo, as meninas do Grupo Razões Africanas mostraram competência, qualidade musical e foram as vencedoras do Trapiche Gamboa. Rodrigo Carvalho (ex- Grupo Galocantô) foi o segundo.

Rio Scenarium
Coisa Nossa
Segundo Colocado: Moacyr Luz
O grupo de samba Coisa Nossa, de Brasilia, que já existe a 28 anos, foi considerado o melhor show do ano no Rio Scenarium. O cantor e compositor Moacyr Luz ficou com o segundo lugar.

Mistura Carioca
Pagode da Arruda
Segundo Colocado: Família Clarão
O pagode da Arruda que se apresenta em várias casas do Centro, foi apontado como melhor show realizado no Memórias do Rio. Em segundo lugar ficou o animado show da família Clarão.






Leia mais...

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Vereadores podem transformar a

Lapa no Mais novo bairro da cidade

Esta nas mãos dos vereadores a decisão de transformar ou não a Lapa no mais novo bairro da cidade. O projeto de Lei 951/2011, datado de 26 de abril de 2011 que propõe essa transformação pertence aos vereadores Dr. Jairinho em co-autoria com seu colega Marcelo Arar que trocou o PSDB pelo PT.

O que representa a Lapa se transformar num bairro? - Que benefícios isso traria? Para responder essas perguntas que, seguramente, vão começar a atormentar os moradores, comerciantes, empresários, artistas, produtores culturais e mesmo outros segmentos da sociedade, O Jornal Capital Cultural conversou com os dois vereadores. Para saber o que pretendem com a idéia.

Atenciosos os dois falaram exatamente o que pretendem
com o Projeto. Em comum, o fato de acharem que a Lapa por suas características, culturais, turísticas e residenciais merece um tratamento próprio e diferenciado. Acham que a área merece mais carinho pela importância que adquiriu e pelo que passou a representar para a cidade.


Transformar a Lapa em um bairro significa possibilitar uma melhor qualidade de vida aos que moram na Lapa e vivem a Lapa.

Dr. Jairinho autor do Projeto que propõe transformar a Lapa em um bairro


A Lapa por ser uma área do Rio reconhecida internacionalmente merece um pouco mais de atenção, de manutenção e por isso merece ser transformada em um bairro.

Marcelo Arar - có-autor do Projeto




Capital Cultural – Vereador, o que o Sr. Deseja e o que representa exatamen

te transformar a Lapa num bairro?

Dr. Jairinho - Temos ciência e consciência de que a Lapa com o decorrer dos anos se transformou num centro de referência da cidade. É a volta do carioca às ruas, às calçadas, o que é uma coisa tipicamente carioca. Não vamos nem falar de boemia, pois a grande maioria das pessoas que frequentam a Lapa são aquelas pessoas que saem para curtir um happy hour e vão para a Lapa curtir aquele espaço. Transformar a Lapa em um bairro significa possibilitar uma melhor qualidade de vida aos que moram e vivem a Lapa.

Marcelo Arar - Na realidade, em minha opinião a Lapa por ser uma área do Rio reconhecida internacionalmente merece um pouco mais de atenção, de manutenção e por isso merece ser transformada em um bairro. Parte da história do Rio de Janeiro e do Brasil se passou na Lapa, temos ali um dos principais monumentos arquitetônicos não só para o país, mas reconhecido internacionalmente construído em 1792, e acho que a Lapa está um pouco abandonada em relação à segurança e organização, levando-se em conta que é um ponto turístico. Vemos a ação de pivetes cometendo delito, há para quem chega uma imagem que não é das melhores e este abandono nos Arcos acabou proporcionando uma tragédia, uma vez que há alguns meses um turista francês caiu do bondinho e acabou perdendo a vida. Tivemos também o trágico acidente com o bondinho de Santa Teresa e aí temos que discutir esta questão, pois os Arcos representam uma extensão da Lapa e Santa Teresa é quase que uma continuidade da Lapa e vice versa. O que penso é que a Lapa merece e precisa de uma administração regional localizada que cuide de toda aquela área e por isso, acho que a Lapa precisa se transformar um bairro. Acredito que a proposta é muito interessante principalmente para os moradores, pois se analisarmos bem, a Lapa é uma grande grife e esta transformação acabará organizando o imóvel do morador e toda a área. Hoje este morador tem em seu endereço a denominação do bairro como: Centro e este todo mundo liga a um lugar comercial e não a um lugar tão específico turisticamente e culturalmente como a Lapa. Esta precisa ser um bairro, pois é um dos principias endereços da cidade. O objetivo é valorizar o patrimônio em todos os sentidos.


Capital Cultural – Mas apesar desta valorização que vem se dando ao turismo, a Lapa é antes de tudo residencial e cultural. Como equacionar esta relação da invasão de pessoas com os moradores

Dr Jairinho - Acredito que os moradores sempre tiveram o desejo de receber suas correspondência e ter o orgulho de dizerem que moram efetivamente na Lapa. Porque observe o seguinte toda cidade e todas as pessoas que visitam a cidade imaginam que a Lapa seja um bairro e a Lapa não é um bairro. A Lapa é um local meio sem identidade, as pessoas não sabem se moram em Santa Teresa, no bairro de Fátima, na Praça Tiradentes, ou na Cinelândia ela é um prosseguimento, um prolongamento de todas essas áreas. Acho que criar o bairro da Lapa é um ganho cultural muito grande para o Município e um avanço significativo para identidade cultural daquela área e, consequentemente para os moradores.

Marcelo Arar – Os problemas existem e o que precisamos é buscarmos soluções para estes problemas e tentar resolvê-los. Penso que é perfeitamente viável criarmos mecanismos para termos num mesmo espaço esta explosão turística, aliada à força da cultura e ao desejo dos moradores. Não podemos complicar o objetivo é facilitar e tentarmos criar uma Lapa que seja melhor para todos.


Capital Cultural – De que forma todas as partes e segmentos que vivem a Lapa se beneficiariam com a criação de um bairro?

Dr. Jairinho – Acredito que com aquela área se transformando em um bairro, os problemas existentes se tornam de mais fácil resolução. Os moradores por conta de ser um bairro cultural podem ganhar benefícios em isenções de impostos e alguns benefícios fiscais. A criação de bairro possibilita uma identidade daquela área, o que hoje não acontece. Queremos que a Lapa tenha uma região administrativa e que os moradores possam fazer respeitar suas reivindicações. O bairro passaria a ser tratado pelo Poder Executivo de forma particular. Vou dar um exemplo: se você quiser fazer um plano de estruturação urbana de Santa Teresa, o bairro tem uma delimitação. Com um Plano de Estruturação Urbana você tem estruturas viárias, estrutura em gabaritos, em tombamentos. Se observar a Lapa, aquela área tem toda uma característica que é completamente diferente dos locais que estão em seu entorno, e se você quiser tratar o bairro da Lapa de uma forma mais particular, você não teria como fazer isso, pois ela faz parte do Grande Centro.

Marcelo Arar – A principal vantagem é que sendo transformada num bairro a Lapa passará a ter identidade própria. Isso possibilitaria que os problemas fossem discutidos de forma particular e tivesse uma maior atenção do poder público e dos meio de comunicação. A grande e principal vantagem seria a visibilidade.



Capital Cultural – O que temos hoje na Lapa são moradores, que embora apoiando muitas das medidas do prefeito Eduardo Paes, são contrários a outras iniciativas. Queixam-se, por exemplo, de alguns proprietários de bares que de forma abusiva colocam mesas e cadeiras nas calçadas, algumas casas com música ao vivo não fazem tratamento de som, e o fechamento das ruas Mem de Sá e Riachuelo às sextas e sábados até as cinco da manhã, que criou um quadro de desordem, barulho excessivo, consumo de drogas, prostituição e constantes assaltos - Na percepção de vocês, como equacionar estas questões?

Dr. Jairinho – Esta questão não pode ser objeto de discussão, quem tem que ser ouvido, quem precisa ser ouvido são as pessoas que moram na Lapa. A criação de um bairro facilita tudo isso, pois faz com que as diversas secretarias tenham outro olhar e outra postura. Se você cria um bairro isso possibilita regulamentar a postura e a ambiência. O tratamento que este bairro deve ter são os moradores que decidem. Tenho um projeto que trata exatamente disso que é a regulamentação de cadeiras e mesas nas calçadas. É preciso criar regras para esta relação. Penso que tudo isso se conversado, pode ser resolvido sem maiores traumas. Concordo com os moradores no sentido de que as madrugadas não podem e nem devem ser invadidas, que o som perturbe o sono e não os deixe dormir, mas penso que os comerciantes vivem da presença do público. Vivem de um público que vai à Lapa exatamente num horário que incomoda os moradores. É preciso encontrar um meio termo, um meio do caminho. É preciso diálogo. Os donos de estabelecimentos precisam faturar, mas precisam também investir. Por que não criar isolamento de som?

Marcelo Arar – Outra razão pela qual a Lapa precisa se transformar num bairro é exatamente em decorrência das queixas dos moradores e desta zona conflituosa que se criou. Se um bairro, o Poder Público poderá atuar de forma mais intensa. A partir do momento que é um bairro será obrigatório a instalação de uma administração regional. Sei que existem lugares na Lapa que acontecem eventos ao ar livre perturbando a ordem e a paz de todos, o que acho um absurdo para com o morador. Por outro lado temos que levar em conta que é um dos principais pontos turísticos da cidade e em razão disso, tem que haver um equilíbrio. Não se pode fazer uma roda de samba embaixo de um prédio. Um bar que não tem tratamento de som não pode ficar tocando pagode ou musica funk até às 5 horas da manhã. Quando pensamos este projeto pensamos as virtudes e os problemas da Lapa e, estamos abertos a discutirmos todas estas questões. Nosso objetivo é representarmos os moradores e estarmos ao lado dos moradores. Não podemos nos esquecer ou de alguma forma prejudicarmos espaços nobres que colaboraram para a reinvenção desta Lapa que surgiu nos últimos anos. Quando pensamos a Lapa, não podemos deixar de falar no Circo Voador, Fundição Progresso, Carioca da Gema e o Rio Scenarium. Essas e outras casas transformaram a Lapa num pólo turístico e cultural muito importante. O objetivo de um parlamentar é sempre somar na vida da população, mas se percebermos que não estamos somando, podemos mudar o rumo da história.



Capital Cultural – Qual sua relação com a Lapa?

Dr. Jairinho – Confesso que sou um admirador da Lapa de toda sua potencialidade e possibilidades, mas frequento pouco o bairro. Apesar disso, enquanto parlamentar e enquanto cidadão carioca, tenho a consciência que a Lapa é um dos pontos mais importantes de referência cultural e turística para a cidade. Não podemos negar a importância da Lapa e, consequentemente, os problemas que enfrenta e em razão disso, temos que olhar para toda aquela área de maneira muito carinhosa e particular.

Marcelo Arar – Minha relação com a Lapa é parecida com a maioria dos cariocas que tem paixão pela cidade e por seus principais patrimônios. Amamos Copacabana, o Cristo, o Maracanã, a Lagoa e consequentemente a Lapa. Um carioca que não tem amor e que não curte a Lapa não é um carioca de verdade, da Gema. Minha relação com a Lapa vem do final da década de 90, quando eu e Adriana Milagres, uma conceituada produtora começamos a fazer eventos na Fundição Progresso. Minha relação com a Lapa vem destes primeiros eventos com a Festa Soul, com o inicio do Movimento Hip Hop, com os bailes Charmes. Sou um dos fundadores da Boate Six, na Rua das Marrecas e tenho uma ligação muito grande com a Lapa e outros pontos de entretimento, mas a Lapa merece mais que isso por ser muito mais que um ponto de entretenimento.

Leia mais...

  ©Jornal Capital Cultural - Todos os direitos reservados.

Template by Dicas Blogger | Topo