quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Pesquisa: "O que Querem e pensam os cariocas"




Entrevista

João Leiva Filho

O que Querem e pensam os cariocas



Virgílio de Souza
Fotos: capital Cultural



      Elaborar uma pesquisa que traçasse o perfil do que os cariocas gostam e curtem. Esta foi a tarefa do economista paulista João Leiva Filho que mora há poucos meses no Rio e administra  a empresa de J. Leiva Cultura & Esporte, há dez anos no mercado e especializada em prestar consultoria a projetos culturais, esportivos e sociais para empresas, prefeituras e outros órgãos do poder público. A pesquisa foi realizada em parceria com o Instituto Data Folha entre os dias 30 de agosto e 9 de setembro de 2013, num universo de 1501 entrevistados em várias partes da cidade.
         Encomendada pela Secretaria de Cultura do Município, a pesquisa intitulada: “Cultura: O que Pensam e Fazem os Cariocas”, tinha como principal objetivo desenvolver indicadores sobre os hábitos culturais dos moradores da cidade do Rio.  Os dados colhidos servirão de referência para a atuação da Secretaria de Cultura no desenvolvimento das políticas públicas que serão inscritas no Plano Municipal de Cultura e, também, para a capacitação dos diversos agentes culturais públicos e privados que atuam no município.
         Sem ainda dominar o Rio e com um sotaque paulistano bem acentuado João Leiva não se importou de fazer uma análise da pesquisa e os dados mais curiosos encontrados. Extrovertido, bem humorado e demonstrando muita segurança sobre suas conclusões ele admite que por se tratar de uma “amostragem panorâmica”, que não vai fundo nas questões, a pesquisa não se aprofundou detalhadamente sobre os hábitos dos cariocas, mas possibilita um olhar sobre as preferências e costumes culturais da cidade.   Em sua concepção os dados colhidos serão de grande utilidade para que a Secretaria de Cultura possa implementar políticas que atenda a todas linguagens e territórios da cidade.
         Embora Leiva não saiba, a pesquisa vai rigorosamente de encontro às propostas e reivindicações da II Conferência Municipal de Cultura realizada m agosto de 2013. Mas uma indicativo é certo: tanto a  Conferencia quanto a pesquisa aponta como principais problemas para a circulação da produção cultural da cidade o fato de vivermos numa cidade culturalmente e socialmente partida.
         Os maiores exemplos da cisão da cidade é o fato dos principais espaços culturais – teatros, museus, casas de shows, galerias, dentre outros equipamentos – ficarem localizados no Centro e Zona Sul, o que causa um grande problema de deslocamento e mobilidade para as pessoas que residem nas partes mais afastadas destas áreas. O olhar elitista da produção cultural que prioriza musicais, exposições, em detrimento á cultura popular, assim como o elevado preço dos espetáculos são outros agravantes que afastam os cariocas de sua cultura e colaboram para esta cisão cultural, reflexo dos problemas de ordem social.

 Capital Cultural – Você é um paulistano que domina pouco o Rio, suas realidades e contradições. Apesar disso, o que mais te surpreendeu, o que mais te chamou a atenção e soou diferente na pesquisa?
João Leiva – Dois aspectos que estão interligados me chamaram muito atenção: o primeiro é como o público com mais de 60 anos está desatendido e o outro é a aproximação dos jovens neste consumo de cultura.
A aproximação dos jovens é muito importante e significativa. É pode ser decorrente principalmente de um novo comportamento que se estabeleceu que é a implantação das novas tecnologias. Esta mudança de comportamento acaba sendo positiva, pois cria nos jovens o hábito de leitura nos jornais e revistas especializados em cultura e nos cadernos especiais. O que aproxima alguns afasta outros, as novas tecnologias nos permite também entender a ausência dos mais velhos que não são tão sintonizados com estas.
 Se observarmos com atenção, concluiremos que a programação de cinema é mais voltada para o público jovem. A mobilidade num sentido de deslocamento das pessoas é outra questão muito complexa e que atinge os mais velhos com menos disposição para enfrentar uma fila, para pegar um trem, ônibus ou mesmo de encarar o trânsito da cidade. Há ainda o fato de que muitas atrações culturais, fazemos acompanhados e que numa idade mais avançada a pessoa tenha uma rede social menor para realizar estas atividades.

         Capital cultural – Sua empresa realizou há dois anos, em São Paulo  uma pesquisa semelhante. É possível se estabelecer comparativos entre os hábitos culturais das duas cidades?
João Leiva - As pesquisas foram feitas em períodos diferentes, a de São Paulo, na verdade, foi realizada em 2010. É complexo estabelecer comparativos, principalmente, em razão da expansão das novas tecnologias que representam alterações substanciais no comportamento individual e consequentemente social. Há ainda outro agravante uma vez que a pesquisa realizada em São Paulo foi a nível estadual. A pesquisa na capital tinha uma amostragem menor do que a que realizamos no Rio. Apesar disso, é possível sim, se traçar um paralelo entre alguns pontos. Por exemplo, o fato de as pessoas consumirem mais cultura dentro de casa já aparecia com muita força em São Paulo e aparece também de forma significativa no Rio. As pessoas ouvem música, assistem a filmes e por uma série de fatores, buscam a comodidade de ficar em casa.

         Capital Cultural - Também por uma série de fatores e hábitos a cena cultura paulista leva as pessoas pra dentro dos espaços. No Rio as pessoas gostam de espaços abertos, praças, terreiros, praias e em razão disso, acontecem iniciativas de muito sucesso como o Dia Nacional do Samba,  a força dos blocos, a arte de rua... O carioca é capaz de uma produção cultural solta, que não depende tanto dos órgãos públicos.
João Leiva – Sim acho que o Rio está mais organizado. No Rio acontece muita coisa, parece que as pessoas se articulam melhor, se organizam melhor. Ao que parece tanto na Zona Sul, quanto no Centro ou nas comunidades e periferias as pessoas se organizam melhor.

         Capital Cultural – Apesar de a pesquisa mostrar que há uma tendência para as pessoas ficarem em casa, certamente existem outros fatores não revelados como, por exemplo, a dificuldade de locomoção, a segurança, a falta de hábito, educação e,  principalmente, os preços elevados...
João Leiva – Sim existem outros fatores e a educação é um fator preponderante. Quando perguntávamos para o entrevistado a razão pela qual ele não ia ao teatro, ao cinema ou ao museu, a primeira resposta que vinha era: “não gosto, não me interesso”. Por trás desta resposta o que percebemos e uma questão de educação, não só de educação formal, pois você tem neste universo um grande percentual que é escolarizado. As pessoas com mais de 60 anos, algo em torno de 60%, só tem o nível fundamental de ensino e isso acaba afastando essas pessoas dos bens culturais e em razão disso, elas não se interessam. Outro fato que temos que considerar é que as escolas não estimulam as pessoas a criarem o habito de atividades culturais. Se você pergunta qual o estímulo a pessoa teve para fazer uma atividade cultural a escola aparece com um índice de 6%, o que é muito baixo. Quem mais estimula as pessoas a consumir bens culturais são os familiares – pais, irmãos, parentes, amigos. A cultura está muito ligada à família. Diria que os traços mais comuns seria o crescimento da cultura dentro de casa e a influencia da família

         Capital Cultural – Tudo bem a educação é um fator preponderante, mas quando as pessoas respondem: “não me interessa”, elas não estariam mascarando e, na verdade, escondendo à verdadeira resposta que seria “não tenho grana”, “isso é muito caro”?
João Leiva – Não acredito, pois a segunda resposta mais citada é exatamente: “não tenho dinheiro”. Temos que levar em conta que entre pessoas com nível superior, o que pressupõe uma melhor condição econômica, a resposta mais citada também foi a falta de interesse. Há uma camada da população, independente de classe social que sequer olha o preço, ela simplesmente não se interessa mesmo. Acho que a hora que estas pessoas se passarem a consumir cultura este traço da falta de dinheiro poderá aparecer com mais intensidade. Acredito que com as transformações que estão acontecendo na sociedade o interesse pelos bens culturais tenderão a aumentar, pois o nível de escolaridade da sociedade está aumentando. Acredito que antes da barreira financeira existe uma barreira psicológica quando esta barreira for quebrada o interesse vai aumentar.

           Capital Cultural - Tanto na Conferencia Municipal, quanto na Estadual ficou claro que vivemos numa Cidade Partida. As pessoas, das periferias, das comunidades dos subúrbios podem até curtir e gostar da cultura apresentada nos museus, teatro e salas de concerto mas ainda há uma falta de identificação com essas manifestações. Defendem um investimento na cultura que lhes é de pertencimento como o jongo, capoeira, o hip hop e o samba de raiz, dentre outros. Há os que acreditam mesmo que esta imposição cultural estes altos investimentos na cultura que consideram européia e de elite é um grande desrespeito e uma segregação camuflada...
João Leiva - Não conheço a fundo os investimentos da Secretaria de Cultura, mas acho que o papel da secretaria é o de descentralizar os investimentos. Não foi o foco desta pesquisa, mas se fizermos um mapeamento de onde estão concentrados os equipamentos,  de fato, há uma concentração localizada. A produção cultural e, por consequência a cultura, passa por um momento delicado: os cinemas de rua estão morrendo e migrando para shopping, os espaços destinados aos teatros estão sendo usados para outros fins, os equipamentos culturais tradicionais estão em xeque. É preciso pulverizar e fazer equipamentos menores perto dos bairros. Em cidades grandes você ficar duas três horas para se deslocar e isso colabora para que as pessoas desistam. A questão da cultura popular precisa ser incentivada. É necessário se criar espaços para as culturas populares, coretos, rodas de capoeira, shows ao ar livre, exposições a céu aberto, dança, circo e teatro. É preciso música nas praças e espaços públicos. Sim, concordo que é preciso repensar a maneira na qual estamos fazendo cultura.

         Capital Cultural – Por mais que tenhamos pudor para falar sobre o assunto, se você faz um corte racial, as manifestações dos negros – capoeira, jongo, samba, maculelê – são manifestações coletivas que remetem à ideia de terreiro, praças, espaços abertos. Se você faz este mesmo corte em relação à cultura considerada dos brancos e da elite, você se depara com uma cultura de salas de concertos, óperas, algo mais refinado, sofisticado e excludente. Um corte racial não possibilitaria um perfil perfeito de nossas necessidades culturais?
João Leiva – Veja bem sou paulista que pesquiso cultura e gosto de estudar história. A questão racial no Brasil é, de fato, muito complexa. Estudei em uma escola de elite em São Paulo e durante minha formação não tive a dimensão do que representou a escravidão em nossa sociedade. Nas escolas a informação que nos é dada nos deixa a percepção de que a trajetória do negro não foi uma coisa tão grave. O assustador é que quando você começa a tomar conhecimento percebe que coisa é bem mais barra pesada que se possa imaginar. A cultura negra está muito mais próxima da realidade do Rio que de São Paulo. Acho que é necessário se mudar o ensino do Brasil e se recontar a história que hoje é ensinada e que está muito distante da realidade. Penso que da mesma forma que deve ser difícil para para os alemães contar a história do nazismo, é também difícil para o sistema educacional do Brasil mostrar o período da escravidão e todas as consequências e mazelas advindas deste período. Precisamos de fato ter um investimento não só na preservação da cultura negra, mas usarmos isso a favor do Brasil. Precisamos de mais intercâmbios na área de música, dança e toda e qualquer manifestação dos negros. Precisamos estimular estas às potencialidades que existem e estão silenciadas.

         Capital Cultural – Os meios de Comunicação poderiam ter um papel fundamental neste processo...
João Leiva - Não, não podemos esperar pelos meios de comunicação e achar que eles farão isso. É preciso que a sociedade se organize e faça com que as coisas aconteçam. Não me parece que os meios de comunicação estejam dispostos a investir nestas manifestações populares e, neste sentido, temos que ter cuidado, pois a cultura muda com muita velocidade e intensidade. Não podemos perder de vista que hábitos culturais desaparecem que línguas morrem e, se a sociedade não ficar atenta, a parte da cultura popular que não representa possibilidade de lucro acaba, vai para o vinagre. Esta questão das manifestações dos negros é muito séria e em paralelo a isso, tem a religiosidade. Não me lembro exatamente, mas no universo da pesquisa  7% dos entrevistados se assumiram de religiões africanas.

Capital Cultural – Há na atual administração uma tentativa de aproximação com os atores da cidade, mas percebemos também que o mercado está cada vez mais agressivo e a cultura se transforma cada vez mais em entretenimento. Na pesquisa você conseguiu detectar e saber exatamente onde se encontra esta indústria do entretenimento?
João Leiva – Esse ponto é um ponto chave na discussão. Quando você vai discutir Lei Rouanet você questiona porque ela funciona para a indústria do entretenimento e não para as manifestações culturais. O cinema para sobreviver teve que ir para dentro de shopping. Isso tem um lado bom e um lado ruim, pois desta forma você consegue preservar o cinema, mas por outro, você perde a diversidade cultural. Discordo das abordagens tradicionais e do discurso de que deve se afastar a arte da cultura. Não dá mais para linguagens diferentes não estabelecerem um diálogo e encontrarem alternativas. É preciso estabelecer diálogos e pontes e encontrar saídas para o trabalho artístico com menos interesse comercial. É preciso buscar estratégias que possa fazer o público se interessar. É preciso buscar a força das Blockbusters, (rede de locadoras e lojas de conveniência), pois em muitas ocasiões as pessoas acabam desenvolvendo interesse pelo cinema, teatro ou museu indo a uma Blockbuster. É uma questão de informação. Acho que o primeiro passo é atrair a pessoa.  Mas é preciso ter cuidado e não deixar que em razão da força do mercado se imponha uma política de entretenimento. É preciso encontrar saídas. Veja um exemplo curioso: os musicais estão bombando e a grande vantagem é que não são os musicais vindos de fora e sim os criados aqui e inspirados em temas nacionais. É um espetáculo caro, sim é. Apenas uma parcela da sociedade assiste? - isso é verdadeiro, mas temos que buscar ferramentas para transformarmos isso em algo positivo. Ao invés de ficarmos numa posição de crítica, temos que aproveitar esta maré favorável e a partir daí, investirmos na formação de técnicos, diretores e atrair o interesse do público. Você pode fazer um musical aproveitando temas como nossa música e nossa cultura. O próprio carnaval é um grande espetáculo musical

         Capital Cultural – É curioso este distanciamento e desinteresse do povo, pois quando a festa é promovida pelo povo, ele é capaz de se organizar e fazer bem feito.  Ao que parece o problema começa com administração do poder público composto por pessoas acadêmicas, elitistas com um perfil Zona Sul, sem preparo ou competência que, naturalmente, vão contemplar as manifestações de pertencimento delas.
João Leiva – Concordo em grande parte com o que você falou, mas não podemos nos esquecer de que tivemos recentemente um Ministro negro que tentou mostrar ao país que a cultura não é só esta coisa elitista e enquadrada deste pseudo profissionalismo de preencher formulários. Gil foi um ministro que apostou muito nisso e ai concordo que sua origem negra pode ter sido um componente dos mais importantes para entender a questão. Acredito que hoje seja difícil encontrar no cenário cultural e gestores com os olhos fechados para esta realidade. Acho que o problema na maioria dos casos é mesmo falta de recurso e como fazer estes recursos chegarem até a ponta. Penso que os Pontos de Cultura deveriam ser administrados pela gestão Municipal. De início era uma ação Federal, se transformou numa ação Estadual, mas acredito que agora o ideal seria o Município administrar isso.

             Capital cultural – Os Pontos de Cultura possibilitaram os fazedores de cultura a ter uma maior proximidade com o poder público. Houve uma ponte maior, um maior diálogo.
João Leiva – Na cultura é fundamental manter o diálogo. Em muitos momentos a cultura perde espaço pela falta de dele. Enquanto o cara que tem o dinheiro (Fazenda, casa Civil) pode investir, ele acaba tendo que ficar aguardando as divergências, as polêmicas das pessoas da cultura que ficam se digladiando. É sempre a eterna briga entre o que é comercial e alternativo, entre o público e o privado, a eterna queda de braço entre a Região Sudeste contra a Região Nordeste e os bairros mais abastados contra a periferia. Estas são discussões que não levam a lugar nenhum só evidencia mais as distâncias e a falta de diálogo entre os produtores culturais e facilitam a vida de quem administra a grana que fica só olhando e segurando o dinheiro.

         Capital Cultural – Nossa cultura sempre foi relegada a um segundo plano e colocada de lado. Você diria que Gilberto Gil possibilitou o diálogo,  que serviu como ponte e foi um divisor de águas?
João Lira – Acho que sim. Ele mudou a cena, o cenário e foi a possibilidade de se pensar cultura em todos os níveis e segmentos. A Lei Rouanet tem 21 anos, e passou por um momento positivo no segundo governo de FHC e um momento altamente positivo com o Gil que estabeleceu um novo olhar e plantou muitas sementes que ainda não foram colhidas. Os pontos de Cultura ainda são uma questão mal resolvida. Hoje o Poder Público não pode mais fechar olhos para uma série linguagens, territórios e manifestações.

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