domingo, 23 de maio de 2010

Na contramão da fábrica de entretenimento Estado abre a torneira para a cultura

Cultura é muito mais que a realização de um amontoado de shows patrocinados por Cias de telefones, supermercados ou instituições bancárias na Orla da Zona Sul. Também não podemos associar à cultura uma maratona de shows espalhados pelos quatro cantos da cidade com apoio e patrocínio de emissoras de comunicação. Cultura deve deixar um legado, e qual os benefícios tem nos deixado essa febre de entretenimento?
Buscando pegar a contramão dessa febre consumista, que serve apenas para artistas renomados engordarem suas contas bancária, empresas e instituições firmarem suas marcas junto à sociedade e faturarem ainda mais e pessoas se auto-promoverem, e ficarem bem na fita, a Secretaria de Cultura do Estado, através da Secretaria da pasta, Adriana Rattes deu no último dia 15 de abril, um exemplo de como se deve fazer investimento na produção cultural da cidade. Uma clara mostra de como o dinheiro público, que vem do público deve ser investido nas manifestações culturais.
Com inscrições se iniciando no próximo dia 15 de maio, o Estado lançou um pacote com 27 editais que chegam ao montante de R$ 21 milhões que contemplará projetos a serem realizados esse ano e em todo período de 2011. Desse total, R$ 5 milhões faz parte do Programa Mais Cultura, em parceria com o Ministério da Cultura. O projeto contempla várias áreas da produção cultural, dentre elas, bibliotecas comunitárias, pontos de leitura, brinquedotecas, agentes de leitura, sambistas, músicos, promoção do samba mirim, restauradores, pesquisadores, apoio e dinamização, e preservação de museus, montagem de espetáculo, exposições, bolsas pesquisa a grupos de música erudita contemporânea, incentivo para portais de arte, festivais de cinema no interior, festas populares - como folia de reis -, saraus de poesia, seminários, oficinas e outros eventos com pouca visibilidade e poucas chances de obter patrocínio das empresas.
Além do pacote anunciado, no segundo semestre, serão lançados um editais para apoio a grupos carnavalescos (blocos de rua, afoxés, clóvis, blocos mirins e bandas), um outro de apoio a micro projetos culturais, voltados para comunidades de baixa renda. Segundo a Secretaria Adriana Rattes os editais ajudam na diversificação cultural e contribuem para corrigir uma deformação.
- As leis de incentivo acabam concentrando os investimentos em poucas regiões, em poucas manifestações culturais e em produtos mais voltados para o marketing. Elas dificilmente contemplam a inovação, a experimentação, a cultura popular e o patrimônio – comentou.

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Entrevista Elisa Rosa Brandão da Silva Presidente da Associação de Moradores do Morro dos Prazeres


“Só há dois dias no ano em que nada pode ser feito: Um se chama ontem e o outro amanhã. Portanto, hoje é o dia certo para amar, acreditar, fazer. E, principalmente viver...”
Esta frase atribuída a Gandhi e estampada em um cartaz amarelado e envelhecido, fixado na parede da simples porém, funcional. A Associação do Morro dos Prazeres transmete exatamente a real tônica das necessidades comunitárias: as ações precisam ser feitas hoje, agora, já.
À frente desta instuição, Elisa Rosa Brandão da Silva uma mulher de 49 anos, simples, porém simpática, bem articulada e que procura se manter equilibrada; possivelmente para não mostrar fragilidade e desesperança à comunidade. Enquanto atendia aos muitos cidadões que entravam e saiam da Associação, cujo funcionamento lembra um verdadeiro quartel general, atendendendo jornalistas, moradores, telefonemas de políticos, religiosos, representantes de ONGs, estudantes e benévolos doadores. Em dias de crise, Elisa chega à Associação normalmente às 6 horas da manhã e não tem hora para sair.
Nascida em Brasília, Elisa pegou a contra-mão da história e veio para o Rio, há 19 anos e há 16 mora no Morro dos Prazeres. Mãe de 4 filhos a ex-secretária se aproximou da associação, especificamente para ajudar a organização de documentos e arquivos. Sua eficiência e capacidade exemplares, desencadeou seu lançamento, há quatro anos, à presidência da entidade. Ela não esconde que esse é um dos momentos mais delicados de sua vida, pois a dor que presencia, é a dor diária de seus amigos e entes queridos. Este fato exige que Elisa, seja ainda mais forte para não desmoronar:
“...é diferente de vocês que sabem da tragédia pelos meios de comunicação ou que vem aqui buscar informações e depois retornam para suas casas. A dor com a qual convivo e que presencio é a dor de pessoas amigas, de pessoas queridas com as quais estou ligada todos os dias. Pessoas que vi nascer e pessoas mais idosas que me acolheram aqui quando cheguei. Não posso negar que tenho sofrido muito com tanta tragédia e tantos acontecimentos ruins, mas temos que ir adiante. Foi-me confiada essa missão e vou cumpri-la.”



Capital Cultural – Passada a tempestade, o que mais os atormenta neste momento? Ao que parece, é esse desejo do Prefeito em transferir os habitantes do Morro dos Prazeres para o antigo prédio da Frei Caneca, onde serão construídos apartamentos de dois quartos. Como vocês encaram esta possibilidade?
Eloisa - Esta discussão envolve muitas questões, primeiro é saber se os moradores, aqueles que não moram em área de risco, desejam se mudar. Pelo que observo em seus comportamentos, muita gente não deseja sair daqui. De fato, é inconcebível querer tirar as pessoas cujas casas não correm qualquer tipo de risco. Em relação às pessoas que estão em área de risco, estas sim, entendem a gravidade do problema e ai não se trata de querer ou não sair, elas sabem que terão que sair. Em toda esta discussão o que precisa ficar claro, é que apenas uma pequena parcela dos moradores encontram-se em áreas de risco. Não há razão para se querer remover todos, isso não faz nenhum sentido. A remoção é uma porposta absurda, e desumana.

Capital Cultural – Você, enquanto presidente da associação, foi comunicada do desejo do prefeito Eduardo Paes em realizar estas remoções?
Elisa – Não fui comunicada por ninguém. No dia da tragédia ainda estávamos aqui tentando descobrir quantas pessoas haviam desaparecido e quantas pessoas perderam suas casas, quando o boato de que toda comunidade seria removida começou. O prefeito Eduardo Paes não deu uma notícia, não deu uma informação, ele mandou um recado pelos meios de comunicação. Para se ter uma idéia de sua insensibilidade, sequer apareceu aqui no Morro para prestar solidariedade aos moradores e às vitimas da chuva.

Capital Cultural – Pelo que se constata, há um comentário entre os habitantes que preocupa e assusta. Muitos na comunidade estão convencidos de que remoção é sinônimo de exploração imobiliária. Você acredita mesmo que possa haver pessoas interessadas na desocupação para que o Morro dos Prazeres se transforme em área de lazer e um local para a visitação de turistas?
Eloisa – Não sei... Onde há fumaça há fogo e ninguém inventaria um boato destes, mas a verdade é que na comunidade o assunto vem sendo cada vez comentado, e com isto, obviamente a desconfiança aumenta. Enquanto presidente da associação prefiro não me manifestar sobre este assunto, porque ele é muito complexo. Mas, enquanto moradora e pessoa que ama este lugar tenho que admitir uma coisa: o Morro dos Prazeres é um filé mingnon. Além de bem localizado, por estar próximo à cidade e ter saída tanto para o Centro, Zona Norte e Zona Sul, tem uma visão da cidade encantadora. Ver a cidade daqui é algo para privilegiados. Se olharmos do ponto de vista da exploração imobiliária, seria um local ideal para os turistas ou mesmo para fazer um mirante, como se comenta no morro.

Capital Cultural – Na surdina e de forma muito discreta, os moradores comentam também que há um temor nesta transferência para os prédios que serão construídos na Frei Caneca, em decorrência daquela área ser dominada por outra facção. Há alguma verdade nisto?
Eloisa – Todo mundo sabe e está estampado todos os dias nos jornais que a cidade é divida em facções. Pelo que me informaram, aquela área da Frei Caneca é dominada pela ADA (Amigos dos Amigos) e pelo Terceiro Comando, que são inimigos do Comando Vermelho. Todos também sabem que muitas das comunidades de Santa Teresa são dominadas pelo Comando Vermelho e, se tivermos que mudar para lá, de fato, ficaremos expostos. Seremos sempre tratados como “alemães”.

Capital Cultural – O que pode acontecer se estas mudanças forem de fato efetuadas?
Eloisa – Quem sabe? Somos taxados como inimigos. A vida numa comunidade não é tão romântica e não tem nada haver com as comunidades cinematográficas e construídas milimetricamente que aparecem na televisão. A vida numa comunidade é dura, uma realidade bem pior que muita gente possa imaginar.

Capital Cultural – Mas a segurança das pessoas deveria ser controlada pelo poder público?
Eloisa – Essa visão é romântica e irreal. Muita coisa deveria ser assumida pelo poder público como transporte, educação, saúde, mas não é isso que acontece. Não sejamos inocentes e ingênuos, se Michael Jackson, que era um astro internacional teve que negociar e pagar pedágio para os donos do morro para realizar filmagens, é porque no morro as coisas são mais complicadas. No morro, em muitos momentos é um verdadeiro vale tudo.

Capital Cultural – A classe média idolatra as favelas, referenciam o morro e sabemos de alguns casos de meninas e meninos de classe média, que rompem com a família para passar uns tempos no morro. Em uma situação de tragédia como essa, estes meninos aparecem para prestar solidariedade?
Eloisa - Falando muito francamente classe média e favelado são águas que não se misturam. São realidades diferentes, com formação diferente. Essa história de referenciar o morro, de idolatrar o morro é conversa para quem faz uma visitinha, vem passar uma temporada no morro como você bem colocou. A vida aqui é dura, é difícil e a classe média não está acostumada a dificuldades. Se apareceu alguém da classe média, sim alguns meninos estudantes de universidades até vieram, se mostraram solidários e somos gratos por esse carinho. Observo estes meninos é sempre falo comigo mesma: Favela não é um lugar romântico e muito menos para se fazer piquenique.

Capital Cultural – Nesses momentos aparecem muitos benfeitores e pessoas cheias de discursos. Com quem é pior conviver, com evangélicos ou políticos?
Eloisa – Os políticos representam a pior classe para você conviver e ter que suportar. Os caras ganham para isto, são remunerados para isto e, aparecem aqui cheios de assessores para mostrar solidariedade com a tragédia alheia. É um absurdo, mas ganham para serem solidários. Tentam fazer num momento de desespero o que não fazem durante todo um mandato. Eles deveriam ter vergonha e perceber que a condição de vida que nos é imposta nos morros, vivendo à margem de direitos básicos, já é em si uma tragédia. É claro que existem aqueles políticos que não são solidários de ocasião e sempre aparecem e demonstram interesse nos problemas que enfrentamos, mas a maioria é oportunismo puro.

Capital Cultural – Obviamente a chuva não pode ser culpada pela tragédia que aconteceu aqui no Morro dos Prazeres. A quem podemos culpar?
Eloisa – A culpada de tudo isso é a irresponsabilidade tanto da Prefeitura, quando de alguns moradores que fizeram casas sem estrutura, em lugares indevidos. As pessoas não podem comprar uma geladeira, um colchão, uma cama nova e colocar os utensílios velhos em qualquer lugar. Tem que descer com isto, encontrar um lugar que não se transforme em perigo para a própria comunidade. Não adianta os órgãos de a Prefeitura demonstrar perplexidade e espanto, pois há dez anos eles concederam um laudo que existe desde o início do Projeto Favela Bairro, dando legalidade a estas casas. Não podemos querer tirar as responsabilidades que cabem a cada um. A questão é a seguinte, se as casas são ilegais qual a razão do BIRD – Banco Internacional de Desenvolvimento-, em parceria com a Prefeitura ter liberado o dinheiro para a reestruturação da comunidade, se há dez anos existeeste laudo como podem querer interditar agora? - Não discuto e nem falo aqui de um Prefeito ou de outro, falo da estrutura governamental. Falta coerência, inteligência, zelo e preocupação para com a cidade e principalmente para com as comunidades. Enquanto estas pessoas governarem preocupadas em se perpetuarem no poder, estaremos sujeitos a essas coisas, porque tudo o que fazem não é pensando na população, na sociedade, mas sim no voto, nas próximas eleições, em sua perpetuação.

Capital Cultural – Quando começou a ocupação do Morro dos Prazeres?
Eloisa - O registro da associação é de 1968, mas os primeiros moradores chegaram aqui a mais de 60 anos. A comunidade já esta em sua quinta ou sexta geração. É bom que as coisas não sejam confundidas como querem algumas autoridades e alguns meios de comunicação. Ocupação não representa invasão. Somos moradores e não invasores. Não podem dizer que moramos aqui, nos fixamos aqui porque usurpamos alguma coisa de alguém. Moramos aqui com autorização, o conhecimento e o reconhecimento da prefeitura e do Governo do Estado. Em muitos momentos a coisa é colocada como se as pessoas que moram nas comunidades são pessoas irresponsáveis, marginais e invasoras de propriedade alheia. Os meios de comunicação precisam ouvir nossas autoridades, mas não podem se esquecer que nós também temos nossa versão para os fatos.

Capital Cultural - Mas o Moro dos Prazeres, principalmente nesses dez últimos anos, acabou incentivando outras ocupações em toda essa área...
Eloisa – Não sei se exatamente nos últimos dez anos, ou se um pouco antes, mas a verdade é outras comunidades surgiram em torno do Morro dos Prazeres. Insisto apenas num ponto: estas comunidades surgiram com o conhecimento e a autorização de nossos governantes. As pessoas precisam morar, precisam de uma casa, de uma lar e como a vida esta difícil procuram as comunidades. Tem que se acabar com essa distorção de que lar é só casa de pessoas ricas e de classe média. Aqui também constituímos famílias, somos pessoas trabalhadoras e que colaboram com o sistema de arrecadação desta cidade e deste Estado. Não podem nos tratar como se fossemos marginais. Tudo o que queremos é sermos respeitados. Se o poder público não zela pelas comunidades mais carentes sempre estaremos sujeitos a esse tipo de tragédia. Enquanto cidadãos temos direito a transportes decentes, escolas no bairro, sistema de saúde, mas nada disso é levado a sério. As comunidades só aparecem quando existe tragédia e quando nossos governantes fazem destas peças de publicidade para dizer que estão governando bem. A maior contradição disto tudo, é que o Morro dos Prazeres já foi usado como uma peça publicitária e tratado no projeto Favela-bairro, como uma comunidade exemplo.

Capital Cultural – E o futuro?
Eloisa – Temos que lutar agora. Primeiro por todas as pessoas atingidas, depois contra esta tentativa de remoção. Diria a você o seguinte: Nosso futuro é agora. O futuro a Deus pertence...

Capital Cultural – Como naquela frase do Gandhi que esta ali dizendo que o momento é agora?
Eloisa – Até tinha me esquecido desta frase, mas é exatamente isto. Nossa dor e nossa preocupação são com o agora. Nossa batalha é agora.

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