domingo, 12 de dezembro de 2010

... Reflexões sobre a invasão no Complexo no Alemão....



"Guardando as devidas proporções, o Estado com seu braço forte e poderoso, fez uma operação na Vila Cruzeiro e no Complexo do A lemão, usando a mesma estratégia de combate utilizada contra Antonio Conselheiro e a R evolta de Canudos; agiu rigorosamente da mesma forma que agiu contra Zumbi, no Quilombo dos Palmares, e teve o mesmo comportamento que teve no período do Regime Militar, quando se invadiam casas à cata de organizações de extrema esquerda e pessoas subversivas".

Marcelo Yúka




“É claro que
todo este estado de “beleza e caos”, tinha que acabar em algum lugar e acabou no limite máximo que foi o tráfico tomando conta da cidade. Umdomínio muitas vezes abalizado por uma parte de policiais corruptos e políticos inescrupulosos”.

Fernanda Abreu



Um tiro no pé

Marcelo Yúka

Músico - Criador do Grupo o Rappa

O desfecho de toda essa história que culminou com a invasão da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão foi um verdadeiro tiro no pé. Os traficantes com a onda de violência que espalharam pela cidade conseguiram unir a opinião pública contra a bandidagem. Por outro lado, ficou claro o tiro no pé, dado pelo poder público pelo fato de nos últimos anos não ter feito rigorosamente nada e deixado toda essas pessoas à margem da sociedade.

Como opróprio governador Sérgio Cabral admitiu, as coisas só chegaram a esse ponto de violência por omissão do Estado. O governador parece ter a exata noção do que, para muitos, há muitos anos parece óbvio: estamos gastando um dinheiro enorme com tanques, helicópteros, metralhadoras para combater aquilo que nós mesmos criamos. É mais fácil e mais barato comprar lápis, cadernos e construir salas de aula, que gastar dinheiro com armamentos.

Sou por natureza um pacifista e não faço apologia ao crime. Não precisamos ser sábios ou gênios para entendermos o que aconteceu, e para tanto, basta olharmos para o processo histórico. Guardando as devidas proporções, o Estado com seu braço forte e poderoso, fez uma operação na Vila Cruzeiro e no Complexo do Alemão, usando a mesma estratégia de combate utilizada contra Antonio Conselheiro e a Revolta de Canudos; agiu rigorosamente da mesma forma que agiu contra Zumbi, no Quilombo dos Palmares, e teve o mesmo comportamento que teve no período do Regime Militar, quando se invadiam casas à cata de organizações de extrema esquerda e pessoas subversivas. As razões podem variar no tempo e espaço, mas a forma de ação do braço do poder ocorresempre da mesma forma.

Sempre, de maneira sutil, se estimula o que denominamos de “bom senso”, de justo e correto. É óbvio, que com isso, a sociedade se sente segura, protegida e abraça este “bom senso”, esta causa. A sociedade é conduzida a optar por ações de extrema energia. Mas este mesmo “bom senso”, teria também que nos fazer perceber que combatemos e queremos extirpar do nosso meio, de nossa convivência, um monstro que o Estado, o poder público, os meios de comunicação e nós, enquanto cidadãos criamos.

A indiferençaque essa mesma sociedade que hoje quer extirpar teve para com essas pessoas, a exclusão a qual submetemos as pessoas destas comunidades mais carentes e a omissão do Estado em relação a fazer qualquer coisa de concreta nos levou a esse estado de caos.

É preciso comunicar, diminuir distâncias e estou convencido de que a arma mais importante, mais sofisticada e mais poderosa nesse confronto foram as câmaras. Através das câmaras de nossas forças militares, vimos o domínio territorial que Exército, Marinha e Aeronáutica tinha sobre a região. As câmaras das emissoras de televisão não puderam romantizar e mostraram a dura realidade e as condições de vida daquelas pessoas caminhando

entre vilas, becos, biroscas e barricadas. E, finalmente, temos que ressaltar a importância das câmaras dos moradores, pois se as câmaras das TVs mostraram enquanto puderam a ação policial, as câmaras dos moradores, essas sim, tinham o poder de revelar tudo que acontecia por outra ótica, sobre outro ponto de vista O problema das câmaras é que chega um momento que elas precisam ser desligadas e aí ficamos desligados.

A desigualdade social nos faz viver numa sociedade complexa. Acho extremamente positivo que não estejamos vivendo num estado de exceção. Me deixa de ce rta forma indignado, perceber em nossa sociedade que muitos compartilham do pensamento que o traficante não tem direito à vida. Discordo dessa idéia, discordo dessa premissa. Não é porque ele tira a vida, que ele não tem direito

à vida. Não é porque ela tira a vida que ele tem que perder a vida. Não concordo que tenha que se combater a violência com mais violência.

Serei eternamente contrário a essa idéia. Não concordo nunca com o uso do braço forte. Minha sintonia é outra. Minha harmonia é outra. . Fiquei atento às câmeras e elas, enquanto puderam, mostraram que pelo tamanho do confronto que se anunciava, tivemos poucas baixas.

Para finalizar, quero apenas enfatizar uma coisa que há muito tempo digo: as facções criminosas não são organizadas e provaram isso se utilizando de uma tática burra e suicida ao alarmar, assustar a cidade. Deram um tiro no pé. Ao mesmo tempo em que provaram que são desorganizados, provaram também que existe uma mão invisível e poderosa, essa sim, muito organizada. Uma mão que mantém toda esta estrutura, todas essas organizações criminosas e as idas e vindas de drogas e armas. Combater essa mão invisível e tão poderosa é o grande desafio, a grande questão.


Sou carioca: Quero meu crachá

Fernanda Abreu

Cantora e compositora

Uma das criadoras da Banda blitz

Uma coisa é óbvia para todos nós e, principalmente, para nossas autoridades: a invasão da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão é o reflexo de políticas equivocadas ou de nenhuma política adotada nos últimos 30 anos na cidade. Há um total descaso com a parcela mais pobre e mais carente da sociedade. Nossos governantes nunca questionaram quem eram aquelas pessoas e como viviam. Nunca se pensou em um projeto de moradia, de transporte eficiente e nunca houve qualquer preocupação com a segurança e a saúde. É uma parcela que vive à margem da sociedade, logo, que vive marginalizada. Não se pensou na demanda da migração das pessoas que vieram de outros estados, na realidade daqueles que vieram tentar a vida nesta cidade.

O poder público nunca deu atenção, nunca se importou e sempre olhou de maneira indiferente e de forma preconceituosa para a formação rápida das favelas. Onde não há domínio público, alguém domina, e vimos, com isso, o surgimento do poder paralelo. Vimos por um lado o crescimento do tráfico de drogas e por outro a corrupção política e policial. Vimos primeiro a força do tráfico e depois a força das milícias.

Até 1990 não ouvíamos falar de subuse, de AK 47, de R15, de metralhadores e submetralhadoras. Tudo isso, passou a fazer parte do cotidiano da cidade. Me lembro que em 1992, compus a música Rio 40º, que de certa forma era meio visionária. Falava do Rio como uma cidade de cidades misturadas, e questionava de quem é essa viela, esse beco.

Falava da novidade cultural da garotada favelada ser subuse musical da batucada digital. Não era um incentivo à violência. Na verdade era uma proposta de tirar as balas dos carregadores das metralhadoras e colocar ali dentro chips musicais de batucada digital.

A garotada carioca, principalmente a parcela mais carente, gosta do funk, da escola de samba, de tocar pandeiros e tamborins. Esses meninos são de uma musicalidade rara. Fazem equipes de sons e a idéia da música Rio 40º era metralhar esses meninos de música e arte.

Já se passaram quase 20 anos, continuo achando que é preciso fazer esses meninos usarem suas armas, e uma delas, e talvez a mais poderosa delas, é a musicalidade. Já se passaram tantos anos, todos nós envelhecemos, amadurecemos, o Rio continua com uma temperatura de 40 graus, e eu continuo carioca e querendo meu crachá. Continuo querendo que essa cidade tenha dono. Que a cidade não seja partida e pertença a todos. Continuo sonhando que haja menos discriminação e segregação para que não tenhamos mais episódios como a invasão da Vila Cruzeiro e do Morro do Alemão.

É claro que todo este estado de “beleza e caos”, tinha que acabar em algum lugar e acabou no limite máximo que foi o tráfico tomando conta da cidade. Um domínio muitas vezes abalizado por uma parte de policiais corruptos e políticos inescrupulosos. O governo federal sempre se omitiu a essa questão e sabemos que as drogas e as armas entram por estradas e por aeroportos. Não é uma questão Municipal ou Estadual. Não é um problema particular do Rio, é sim uma questão de Estado, mas o governo federal sempre fechou o olho para a segurança pública.

Era inevitável este desfecho, aconteceria a qualquer hora e aconteceu: um dia acordamos com uma situação de emergência em razão dos acontecimentos que tomaram conta da cidade com ônibus, carros e motos sendo incendiados. Confesso que não entendi até agora, a idéia do tráfico em promover todo esse medo, toda essa desordem. Pela primeira vez, a comunidade apoiou as ações policiais e isso é compreensível. A polícia nunca foi vista como uma força que estava ali para proteger o cidadão. O morador não confia na polícia, em razão da corrupção. Uma policia que se fazia presente, mas deixava o tráfico acontecer e se beneficiava com isso. Todos sabem que em via de regra, a policia entra nas comunidades atirando, mas desta vez a comunidade percebeu a presença do Estado.

Percebemos uma certa euforia no ar, mas não se pode declarar vitória de nada. Foi dado um passo, e nós cariocas, estamos muito esperançosos. Nós que amamos esta cidade, desejamos que a cidade esteja em paz, mas foram tantos os desmandos e descasos, que ficamos com um pé atrás. É preciso transparência total. O governo precisa dizer o que irá fazer. Não desejamos respostas rápidas, imediatas e sensacionalistas. Desejamos apenas ter conhecimento do planejamento.

Me parece que o governo Sergio Cabral está atento e que não faz apenas uma maquiagem para a Copa do Mundo e para as Olimpíadas. Só o fato de a favela estar nas mãos do Estado já é um alívio, um grande passo, mas precisamos saber os bastidores. Estamos cansados de políticas de bastidores.

O Rio tem essa tendência de acolher a todos, de não discriminar ninguém: uma cidade que sempre quis incluir outros povos, outras pessoas, outras regiões, nacionalidades, musicalidade e outras artes e manifestações culturais. Uma cidade que tem como símbolo um Cristo, prova o espírito da sociedade carioca que é o de estar com os braços abertos para todo mundo.


Malandros,marginais e marginalizados

Virgílio de Souza

Jornalista Responsável pelo Jornal Capital Cultural


O tráficoapresenta suas armas. Lá emcima, balas traçantes, bandidos armados até os dentes, com suas faces encobertas por panosencardidos. Risos, deboches, desafios... Lá em baixo, carros e ônibus pegando fogo... A cidade, sempre agradavelmente quente, ardia demedo e pavor.

O Estado apresenta suas armas: Marinha com seus poderosos tanques; Aeronáutica com seus helicópteros blindados; Exército fortemente armado nas ruas. Nossos soldados, sempre enclausurados dentro dos quartéis, como madres em conventos, estão prontos, se aprontam. É que nos quartéis lhes ensinaram antigas lições de morrer pela pátria...

Em nossas casas assistíamos perplexos o inicio de uma guerra anunciada. A cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro vivia um clima de medo, de insegurança. A Cidade Cartão Postal poderia implodir, sagrar...

Os meios comunicação mais uma vez faziam com que tudo fosse grande espetáculo. A guerra pela audiência transforma tudo num fantástico show da vida, embora o show da vida, em muitos casos, não seja tão fantástico assim. Com suas câmaras, profissionais e analistas que mais pareciam animadores de festa, mostravam nas janelas panos brancos. Queriam nos fazer acreditar que, finalmente, a sociedade exibia sua indignação e, por isso, se tornara amiga de fé, irmã, camarada da polícia, da força, das instituições e da legalidade.

Aprovar uma ação, ou ser induzido a apoiar uma reação não representa aprovar a corporação e muito menos as instituições. Não foi por culpa da sociedade, mas ela aprendeu a não acreditar na corporação, na polícia, nos políticos, nas instituições. De tão enganada, aprendeu, inclusive, a não acreditar nos veículos de comunicação. Será preciso que esse monopólio da comunicação, restrito na mão de meia dúzia de sortudos que ganharam uma concessão, resgate a credibilidade, fale muita verdade, para nos esquecermos que já falaram tanta mentira.

Ainda há um mês esses “isentos” veiculos de informação transformaram uma inocente bolinha de papel num rolo de durex, tão grande e tão destrutível que foi capaz de nocautear o candidato José Serra do PSDB e mandá-lo ao hospital. Como podemos acreditar? - Quem comete pequenas omissões é capaz de grandes mentiras, de grandes farsas, de enormes falcatruas e, por isso, aprendemos a não acreditar em nossos meios de comunicação.

Já há algum tempo a sociedade vem dando sinais de sua indignação. Já faz um bom tempo que sociedade se mostra exausta, cansada, de saco cheio. Uma gente que embora vá levando já não quer lembrar a canção de Milton Nascimento “Ri quando deve chorar e não vive apenas agüenta”.

Sim... Estamos cansados de sermos sacaneados e já não queremos mais respirar malandros e marginais por todos os cantos.Sim... Estamos cansado de termos que conviver e aturar esta “marginália bundona” e pé de chinelo, que se impôs com uma R-15 nas mãos e, quando o “bicho pega”, foge como ratazanas no meio da mata e em galerias de esgotos.

Mas não é só isso... Estamos também indignados com os párias da pátria que não precisam fugir e são amparados por Habeas Corpus obtidos na calada da madrugada.

Acreditaremos nas instituições no dia em que o braço da lei abraçar os malandros de colarinho branco, esses canalhas que dão golpes financeiros, promovem caixa 2, desfalcam o Ministério da Saúde, do Transporte, mas, porém contudo, todavia, entretanto e todas as vênias, permanecem em liberdade.

Seremos um pais sério, no dia em que não vermos mais proprietários de banco dando desfalque de US$ 4 milhões e obtendo o direito de pagar em dez anos, em suaves prestações, como se paga um carnê do Baú.

Respiraremos mais aliviados, no dia que vermos investigações mais rígidas para os prefeitos que brincam com a verba pública e orçam uma obra em 50 e gastam 500 milhões. Teremos fé, no dia em que não tivermos a notícia de pastores evangélicos que fazem lavagem de dinheiro de forma descarada e, num péssimo portunhol, declaram sorridentes: “Não Passa nada”.

Sim... A sociedade quer extirpar os marginais, a marginália que queima carros, ônibus e se transformaram numa ameaça constante, numa pereba cotidiana. Queremos nos ver livre dessa pereba, mas queremos também nos livrar deste câncer representado por uma elite doentia, sem princípios, que quanto mais tem mais quer. Que quanto mais rouba, mais quer roubar.

Queremos a exclusão destes bandidinhos, mas queremos também a exclusão de nosso convívio desses ratinhos da burguesia que colocam fogo em índios, como ocorreu em Brasília; batem em empregada doméstica como aconteceu no Rio ou agridem gays em plena Avenida Paulista. É preciso que o peso e a medida sejam iguais. Porque a balança da justiça tem que pender para um lado?

Não queremos os marginais e a marginalia, mas também não queremos os malandros e a malandragem que torra a grana pública sem nenhuma cerimônia. O que é mais condenável? - Vender cocaína, crack ou maconha ou desviar a grana da saúde que salvaria vidas e possibilitaria a criação de mais hospitais e possibilitaria um pais menos desigual? Estamos cansados dos marginais, dos malandros e, principalmente, de sermos marginalizados e transformados em pessoas de segunda, em uma sociedade de segunda, sem nenhum direito à cidadania.

Marginalizados quando temos que enfrentar intermináveis filas no ponto final do ônibus, das barcas ou do metrô. Otários, quando pagamos um plano de saúde e quando precisamos dos serviços não temos direito a uma série de direitos. E quem manda esses pilantras que não cumprem as regras dos planos de saúde e das concessões dos transportes públicos para a cadeia?

A marginalia pé de chinelo, de R15 nas mãos, vai para presídios de segurança máxima mas para qual presídio vão esses larápios, esses malandros abastados que governam o país há 500 anos e, há 500 anos, cometem todos os tipos de descasos e desmandos contra a sociedade, contra a nação?








1 comentários:

Embaixada das Caricatas disse...

Virgílio, Amigo:
Na quarta-feira, dia 22/12, às 17 horas estaremos reunidos no botequim da esquina da Rua dos Inválidos com Visconde do Rio Branco, para falarmos do nosso 1º ensaio e aproveitar para fazermos uma gravação em vídeo para "ogloboonline".
Esperamos contar com a presença dos amigos para mais este momento de descontração da nossa "MANIFESTAÇÃO".
Beijos do
Adagoberto.

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CALENDÁRIO 2011
Desde 2010 não mais estamos colocando Barraca no Terreirão do Samba, para compensar foi criada uma MANIFESTAÇÃO CARNAVALESCA EMBAIXADA DAS CARICATAS com o seguinte calendário:
"Ensaios Técnicos" (*)
Domingos, sempre das 14 às 21 horas:
09, 16, 23, 30 de janeiro de 2011 e
06, 13, 20, 27 de fevereiro de 2011
Grande "MANIFESTAÇÃO CARNAVALESCA EMBAIXADA DAS CARICATAS"
Muita Música e descontração.
Coroação da Rainha Wanda Camburão, do Rei Marcelo Taurino, da Musa Nice Oliveira, além da Escolha dos Foliões Originais (adulto e infantil).
2ª feira GORDA, das 14 às 21 horas:
Dia 07 de março de 2011
LOCAL:
Campo de Santana - Praça da República - Centro do Rio
Entre as Ruas da Constituição e Visconde do Rio branco

(*) Os "Ensaios Técnicos" têm como objetivo tornarem-se um ponto de encontro para os Ensaios da Marquês de Sapucaí.

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