domingo, 18 de novembro de 2012

Paulinho da Viola: um timoneiro septuagenário

Uma das lembranças que mais marcaram a vida do compositor foi a vitória do Brasil Copa do Mundo de 1958 quando  o  céu ficou repleto de balões.

 

 

Texto: Virgílio de Souza

Fotos: site do cantor

  Um de nossos principais compositores chega                

   aos 70 anos esbanjando energia e otimismo




  O carioca tem maneira de rotular e apelidar as pessoas. Às vezes de forma carinhosa, às vezes em tom de deboche e em outros casos como puro reconhecimento e respeito. Não por acaso, o cantor e compositor Paulinho da Viola que neste dia 12 de novembro completou 70 anos, passou a ser reconhecido como um cantor elegante. De fato o é. Arlindo Cruz soube entrar em sintonia com este coletivo e colocou na letra do samba “O Sambista Perfeito”, uma bela homenagem a grandes sambistas e compositores a definição perfeita que se pode encontrar para Paulinho da Viola, quando ao se referir ao cantor escreveu: “Elegante de um Jeito Paulinho”.


Paulinho da Viola é mesmo uma figura elegantemente rara. Falar compassado, voz baixa, sorriso cativante e, com uma doce meiguice no olhar, é uma pessoa que procura ser sempre cuidadoso com o que fala e atento ao que houve.

Além de elegante, é extremamente cuidadoso profissionalmente como se pode observar durante o show que realizou no Circo Voador, no último dia 29 de setembro. O show estava marcado para as 23h. Ele chegou silenciosamente às 19h30, quando os músicos faziam a passagem de som. Dirigiu-se ao centro do Circo que estava completamente vazio e ouviu atenciosamente cada um dos instrumentos. Conversou com o técnico de som sobre alguns ajustes, fez observações indicando, inclusive como deveria ser a distribuição dos músicos no palco e só depois subiu ao palco para cumprimentar cada um dos componentes da banda, para então, iniciar sua participação na passagem de som, que se iniciou por volta de 20h30. Antes de subir ao palco comentou:

- Tem que ser assim, cada palco tem suas características próprias. É preciso ter cuidado com o som, pois nada mais desagradável que você encontrar alguém após um show e a pessoa dizer que não ouviu bem. As pessoas saem de casa, vem assistir um show e é nosso dever respeitá-las. Temos que oferecer o melhor.

Por volta da meia noite, quando o show se iniciou, a decepção: o som não saia, a voz estava extremamente baixa, com as quase 2 mil pessoas que estavam dentro do Circo se esforçando para ouvir e Paulinho, fazendo um esforço sub humano para cantar. Foi um início de show lamentável. Mas apesar disso, em nenhum momento protestos, vaias, cobranças. No meio do show tudo se acertou, o som ficou perfeito e quando o espetáculo terminou, toda aquela multidão entoava como em agradecimento seu nome. “Paulinho, Paulinho, Paulinho...”. O experiente cantor olhando aquela manifestação de carinho e respeito se mostrou profundamente emocionado. No fundo, cada uma daquelas pessoas parecia dizer: “Estamos elegantes de um jeito Paulinho”.



Um timoneiro septuagenário

Chegar aos 70 anos não é motivo de incômodo para Paulo César Batista de Faria. Ao contrário, ele se diz num momento de extrema sensibilidade.   Nascido em Botafogo, e criado no Morro do Pasmado, quando ali ainda havia residências, o cantor é vascaíno convicto e portelense de muitos carnavais. Nesta entrevista além de falar de sua vida profissional, ele faz uma reflexão sobre a importância de se chegar aos 70 anos, fala de sua infância, de suas lembranças e de alguns períodos que viveu. 
                Apesar de falar do passado ele esta atento ao presente e ao futuro. No próximo dia 17 Paulinho estará se apresentando no Parque de Madureira, local onde fica sua Portela e de muitos rios que passaram em sua vida. No dia 28 de novembro, o cantor se apresentará no badaladíssimo palco do Carnegie Hall, em Nova York, com todos os ingressos esgotados a mais de três meses e, finalmente, no dia 11 de dezembro estará cantando e encantando nossos hermanos, quando se apresentará no Teatro Coliseo, em Buenos Ayres.
                A entrevista com Paulinho da Viola foi iniciada durante sua participação no  Depoimento para a Posteridade, realizada no dia 27 de julho no MIS. No intervalo de seu depoimento ele respondeu algumas perguntas, no final do encontro, atenciosamente parou para uma nova bateria de perguntas. Parte da entrevista foi extraída exatamente deste depoimento e pode ser visitado no site na instituição. Outra parte obtida durante o show realizado no Circo Voador no dia 29 de setembro.

 
  Capital Cultural - Completar 70 anos o que isso representa para você?
Paulinho – Você fica mais perceptível e mais atento a tudo que está a seu redor. Eu, por exemplo, tenho ficado com a audição muito mais apurada e muito mais sensível. O barulho do entorno de certa forma me incomoda e me tira a concentração. Não tenho grandes lamentações, mas às vezes me incomodo com o fato de não ter conversado mais com meus pais, procurado saber de suas histórias, de suas vidas. Acho que saber da história de pessoas que fazem parte de nossa história e de nossa trajetória, de nossas vidas é algo muito importante, pois com isso, nos possibilita saber de nossa própria história..

                Capital Cultural – Você é uma pessoa saudosista?
Paulinho – Não diria saudosista, mas gosto de me recordar das coisas e dos fatos. De alguma maneira isso nos causa inspiração, implosão de reencontros e belas sensações. Penso que tudo que vivemos está dentro de cada um de nós. Essas sensações e percepções acontecem e se manifestam de diversas maneiras, das mais diversas maneiras ao longo da vida. Não me considero uma pessoa saudosista. Somos um amontoado de lembranças e às vezes nos recordamos delas com carinho.
                Capital Cultural – Quais as principais lembranças e sua infância?
Paulinho – Era diferente de hoje. Jogava bola, bolinha de gude. Nossa realidade era diferente, pois tínhamos que fazer nossos próprios brinquedos. Foi uma infância pacata, porém muito feliz. Brincávamos na rua, pés descalços e ninguém tinha nenhum problema de saúde, ninguém ficava doente, não conhecia esta palavra anticorpos.  Estudava no Jardim de Infância Joaquim Nabuco Martins Ferreira e até hoje quando ouço a música “Qui Nem Jiló”, (de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira), me lembro do colégio que estudei. Tenho a imagem perfeita, daquela época. Essa música me remete ao passado. Tenho a entrada do colégio, a distribuição das salas vivas. Tenho muitas outras belas lembranças que guardo com carinho. Em 1958, quando o Brasil foi campeão o céu ficou cheio de balões, eram muitos balões, num tempo em que se podia soltar balões e que os balões eram um dos principais atrativos do carioca.  Guardo com muito carinho a lembrança de ver o Brasil campeão do mundo e todos aqueles balões. Era um tempo romântico, simples, mas perdemos este encanto, pois com o crescimento da cidade, das fábricas e edifícios, hoje não se pode mais soltar balões.
                Você foi batizado como Paulo César Batista de Faria e um dia foi transformado em Paulinho da Viola, quando isso começou?
Paulinho – Não, na família era chamado de Paulo. Isso foi já muito tarde quando freqüentava o Zicartola*. Foi uma coisa do Zé Ketti e do Sérgio Cabral. Tinha que apresentar o nome do grupo num trabalho que realizamos e, eu falei que meu nome era Paulo Costa, mas ao que parece o Zé Ketti falou para o Sérgio Cabral que meu nome era Paulinho da Viola. No outro dia, para meu espanto, estava no jornal Paulinho da Viola e depois disso a coisa pegou.

*O Zicartola (acrônimo de Zica e Cartola) foi um restaurante aberto no Rio de Janeiro em setembro de 1963 por Cartola e sua mulher Dona Zica. Foi ponto de encontro de sambistas de destaque na cultura brasileira, como Elton Medeiros, Nelson Cavaquinho, Ismael Silva e Aracy de Almeida, e grandes nomes da bossa nova, como Carlos Lyra e Nara Leão. Também foi palco do lançamento de Paulinho da Viola.
Paulinho – Cantar, compor ou tocar, você tem alguma preferência?
Paulinho – Na verdade eu não gostava de compor e quem me incentivou foi Zé Ketti (José Flores de Jesus, um dos compositores mais conceituados no mundo do samba e ficou conhecido como Zé Ketti ), juntamente com Hermínio Bello de Carvalho. Sempre gostei mais de tocar e, preferencialmente samba. Para falar a verdade, até 1969, quando compus “Foi um Rio que Passou em Minha Vida”, tinha dúvidas se seguiria a trajetória de músico ou não. Música não era uma coisa tão profissional, não se vivia só de música, tinha uma relação muito mais de prazer que uma relação profissional. Pensava sempre na experiência de outras pessoas e só pensei mesmo de forma mais séria quando vieram os festivais.

Capital Cultural – Você passou por três grandes transformações musicais, a chegada do rock, posteriormente a bossa nova e finalmente o tropicalismo. Como foram estas novidades musicais em sua vida?
Paulinho – O rock foi uma explosão. Quando estreou o filme “O Balanço das Horas”* houve uma grande agitação. Cinemas eram quebrados, houve a história de um cara que deu um tiro na tela. Achava tudo aquilo muito agitado e me senti deslocado em relação ao ritmo. Achava aquilo uma loucura e comecei a criar um olhar de distanciamento e fiquei fora.  Quanto à Bossa Nova também era algo moderno e deu um corte no que existia, mas eu tinha muito apreço pelos valores tradicionais. Foi uma transformação em nossa música, que, entretanto não invalidou o que tínhamos. O Tropicalismo foi um leque de possibilidades que apesar de muitas novidades abria espaço para todos, para todas as tendências. 

* O Balanço das Horas foi lançado pela Columbia Pictures em 1956.Foi o primeiro filme que tinha como tema principal o rock, ritmo que na época tomava conta do mundo e causava o maior alvoroço na juventude.

EC – Você numa bela letra escreveu: “andam dizendo por ai que o samba acabou, só se for quando o dia clareou”. Como você vê o momento atual do Samba e do Choro na MPB?
Paulinho – Isso não é tão simples de responder. O samba e o choro conseguem manter vitalidade. Em diversas ocasiões já demonstraram que, mesmo não estando na mídia, eles têm um grande público e uma legião de admiradores, de pessoas apaixonadas que gostam, curtem e se envolvem. Um público que se faz presente e não deixa esta coisa desaparecer, pois caso contrário, já teria desaparecido. Este sentimento das pessoas pelo samba e pelo choro é muito forte e não diminui de intensidade. Não sabemos quantificar quantos grupos de choro gravam e quantos não conseguem gravar o trabalho que realizam são apaixonados anônimos que o fazem por amor. O mesmo se pode dizer em relação ao samba. São ritmos que se mantém vivo e que vão além do poder da mídia. Isso pra mim fica muito claro em meus shows quando vejo a grande participação de jovens que sabem e curtem a letra dos sambas. Não se pode pensar em um momento atual para o samba e para choro, pois são ritmos que são sempre atuais.

Capital Cultural – Você fez uma abordagem sobre a mídia. Vivemos uma época onde a televisão se tornou quase que imprescindível para um artista ter sucesso. Qual sua análise sobre o poder da televisão?
Paulinho — A televisão, de fato, tem um grande poder. Transforma alguém em sucesso em razão da repetição, quando apresenta um mesmo artista, com uma mesma música, várias vezes, num curto espaço de tempo. Faltam programas de qualidade para o músico se apresentar, mostrar seu trabalho. Músicas que fazem sucesso normalmente são as que aparecem nas novelas o que consequentemente leva o artista aos programas de entrevistas. Um músico atualmente aparece na TV muito mais dando entrevistas do que cantando.  Havia um tempo dos grandes musicais onde os novos talentos tinham espaço para se apresentarem e mostrarem o trabalho que desenvolviam, por outro lado, existiam também os festivais. Hoje, isso acabou.

Capital Cultural – A transformação nas escolas de samba que ficaram mais aceleradas é algo que te incomoda?
Paulinho – Essa transformação foi lenta e gradual e foi o Capinam (José Carlos Capinam), considerado um dos grandes letristas de sua geração, tendo participado ativamente do movimento tropicalista no fim da década de 60) que me chamou a atenção para este fenômeno. Antes a coisa era feita muito na base do amor e depois começou a ficar muito acelerada. Penso que pra quem esta chegando, entrando no samba agora, tudo bem, mas para quem já viveu outra coisa, experimentou outro contexto, é muito difícil se acostumar.
Capital Cultural - Você faz parte de uma geração que enfrentou um período conturbado com a ditadura militar.  Como foi este período para você?
Paulinho – Confesso que não tive problemas. No máximo tive uma ou outra música censurada. Muitas pessoas pensam, acreditam e às vezes me indagam se fiz “Sinal Fechado” (uma de suas músicas de mais sucesso) pensando nos militares ou naqueles que foram reprimidos. Confesso que não foi o caso. A música surgiu desta coisa das pessoas se encontrarem e dizerem: “quero falar com você”, “preciso falar com você”, e, entretanto, nunca falarem. A letra é em razão de um amigo do Recife que sempre que encontrava no Rio, sempre me dizia: “temos que nos falar”, “depois nos falamos”, mas efetivamente nunca conseguíamos nos falar. Sobre o Regime Militar, nunca participei diretamente, mas fui muito solidário e compreendia as dificuldades daquele momento. Sabia da dor e das dificuldades das pessoas e fiz muitos shows para ajudar os presos políticos.

Capital Cultural – Politicamente como você se colocava?
Paulinho – Todos éramos de alguma maneira engajados em um partido. Eu sempre participei, mas nunca quis me afiliar a nenhum deles. Não gostava de ideia de ficar sendo chamado de fileira ou de quadro do partido.

Capital Cultural - Está nas mãos da presidente Dilma o projeto de lei que transforma o exercício do compositor em profissão. O que você acha da idéia?
Paulinho – A história é cheia de grandes compositores, independente de a profissão ser ou não regulamentada eles são profissionais. Acho que o compositor há muito tempo precisa deste reconhecimento e precisa ser remunerado por isso. Sabemos da história de vários compositores que foram prejudicados, que foram passados para trás e obrigados a assinar contratos em branco. Por tudo que representam para nossa cultura, os compositores merecem este reconhecimento.

Capital Cultural - Apesar de toda experiência, você ainda fica tenso antes de uma apresentação?
Paulinho — Quando faço uma estreia ainda fico nervoso. Em algumas ocasiões chego até a esquecer da letra de uma música. Atrapalho-me também um pouco com pessoas que se manifestam durante o show na hora errada. Como falei estou mais sensível, e mais perceptível a tudo que ocorre ao meu redor e isso de certa forma, cria certa falta de concentração.

 



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