Pesquisa: "O que Querem e pensam os cariocas"
João Leiva Filho
O que Querem e pensam os cariocas
Virgílio de Souza
Fotos: capital Cultural
Elaborar uma
pesquisa que traçasse o perfil do que os cariocas gostam e curtem. Esta foi a
tarefa do economista paulista João Leiva Filho que mora há poucos meses no Rio
e administra a empresa de J. Leiva
Cultura & Esporte, há dez anos no mercado e especializada em prestar
consultoria a projetos culturais, esportivos e sociais para empresas,
prefeituras e outros órgãos do poder público. A pesquisa foi realizada em
parceria com o Instituto Data Folha entre os dias 30 de agosto e 9 de setembro de
2013, num universo de 1501 entrevistados em várias partes da cidade.
Encomendada pela Secretaria de Cultura
do Município, a pesquisa intitulada: “Cultura: O que Pensam e Fazem
os Cariocas”, tinha como principal objetivo desenvolver
indicadores sobre os hábitos culturais dos moradores da cidade do Rio. Os dados colhidos servirão de referência para
a atuação da Secretaria de Cultura no desenvolvimento das políticas públicas
que serão inscritas no Plano Municipal de Cultura e, também, para a capacitação
dos diversos agentes culturais públicos e privados que atuam no município.
Sem ainda dominar o Rio e com um sotaque paulistano bem
acentuado João Leiva não se importou de fazer uma análise da pesquisa e os
dados mais curiosos encontrados. Extrovertido, bem humorado e demonstrando
muita segurança sobre suas conclusões ele admite que por se tratar de uma “amostragem
panorâmica”, que não vai fundo nas questões, a pesquisa não se aprofundou
detalhadamente sobre os hábitos dos cariocas, mas possibilita um olhar sobre as
preferências e costumes culturais da cidade.
Em sua concepção os dados colhidos serão de grande utilidade para que a
Secretaria de Cultura possa implementar políticas que atenda a todas linguagens
e territórios da cidade.
Embora Leiva não saiba, a pesquisa vai rigorosamente de
encontro às propostas e reivindicações da II Conferência Municipal de Cultura
realizada m agosto de 2013. Mas uma indicativo é certo: tanto a Conferencia quanto a pesquisa aponta como
principais problemas para a circulação da produção cultural da cidade o fato de
vivermos numa cidade culturalmente e socialmente partida.
Os
maiores exemplos da cisão da cidade é o fato dos principais espaços culturais –
teatros, museus, casas de shows, galerias, dentre outros equipamentos – ficarem
localizados no Centro e Zona Sul, o que causa um grande problema de
deslocamento e mobilidade para as pessoas que residem nas partes mais afastadas
destas áreas. O olhar elitista da produção cultural que prioriza musicais,
exposições, em detrimento á cultura popular, assim como o elevado preço dos
espetáculos são outros agravantes que afastam os cariocas de sua cultura e
colaboram para esta cisão cultural, reflexo dos problemas de ordem social.
Capital Cultural –
Você é um paulistano que domina pouco o Rio, suas realidades e contradições.
Apesar disso, o que mais te surpreendeu, o que mais te chamou a atenção e soou
diferente na pesquisa?
João Leiva –
Dois aspectos que estão interligados me chamaram muito atenção: o primeiro é
como o público com mais de 60 anos está desatendido e o outro é a aproximação
dos jovens neste consumo de cultura.
A aproximação dos jovens é
muito importante e significativa. É pode ser decorrente principalmente de um
novo comportamento que se estabeleceu que é a implantação das novas
tecnologias. Esta mudança de comportamento acaba sendo positiva, pois cria nos
jovens o hábito de leitura nos jornais e revistas especializados em cultura e nos
cadernos especiais. O que aproxima alguns afasta outros, as novas tecnologias
nos permite também entender a ausência dos mais velhos que não são tão
sintonizados com estas.
Se observarmos com atenção, concluiremos que a
programação de cinema é mais voltada para o público jovem. A mobilidade num
sentido de deslocamento das pessoas é outra questão muito complexa e que atinge
os mais velhos com menos disposição para enfrentar uma fila, para pegar um
trem, ônibus ou mesmo de encarar o trânsito da cidade. Há ainda o fato de que
muitas atrações culturais, fazemos acompanhados e que numa idade mais avançada
a pessoa tenha uma rede social menor para realizar estas atividades.

João Leiva -
As pesquisas foram feitas em períodos diferentes, a de São Paulo, na verdade,
foi realizada em 2010. É complexo estabelecer comparativos, principalmente, em
razão da expansão das novas tecnologias que representam alterações substanciais
no comportamento individual e consequentemente social. Há ainda outro agravante
uma vez que a pesquisa realizada em São Paulo foi a nível estadual. A pesquisa na
capital tinha uma amostragem menor do que a que realizamos no Rio. Apesar
disso, é possível sim, se traçar um paralelo entre alguns pontos. Por exemplo,
o fato de as pessoas consumirem mais cultura dentro de casa já aparecia com
muita força em São Paulo
e aparece também de forma significativa no Rio. As pessoas ouvem música,
assistem a filmes e por uma série de fatores, buscam a comodidade de ficar em
casa.
Capital Cultural - Também por uma série de fatores e hábitos
a cena cultura paulista leva as pessoas pra dentro dos espaços. No Rio as
pessoas gostam de espaços abertos, praças, terreiros, praias e em razão disso,
acontecem iniciativas de muito sucesso como o Dia Nacional do Samba, a força dos blocos, a arte de rua... O
carioca é capaz de uma produção cultural solta, que não depende tanto dos
órgãos públicos.
João Leiva –
Sim acho que o Rio está mais organizado. No Rio acontece muita coisa, parece
que as pessoas se articulam melhor, se organizam melhor. Ao que parece tanto na
Zona Sul, quanto no Centro ou nas comunidades e periferias as pessoas se
organizam melhor.
Capital Cultural – Apesar de a pesquisa mostrar que há uma
tendência para as pessoas ficarem em casa, certamente existem outros fatores
não revelados como, por exemplo, a dificuldade de locomoção, a segurança, a
falta de hábito, educação e,
principalmente, os preços elevados...
João Leiva –
Sim existem outros fatores e a educação é um fator preponderante. Quando
perguntávamos para o entrevistado a razão pela qual ele não ia ao teatro, ao
cinema ou ao museu, a primeira resposta que vinha era: “não gosto, não me
interesso”. Por trás desta resposta o que percebemos e uma questão de educação,
não só de educação formal, pois você tem neste universo um grande percentual
que é escolarizado. As pessoas com mais de 60 anos, algo em torno de 60%, só
tem o nível fundamental de ensino e isso acaba afastando essas pessoas dos bens
culturais e em razão disso, elas não se interessam. Outro fato que temos que
considerar é que as escolas não estimulam as pessoas a criarem o habito de
atividades culturais. Se você pergunta qual o estímulo a pessoa teve para fazer
uma atividade cultural a escola aparece com um índice de 6%, o que é muito
baixo. Quem mais estimula as pessoas a consumir bens culturais são os familiares
– pais, irmãos, parentes, amigos. A cultura está muito ligada à família. Diria
que os traços mais comuns seria o crescimento da cultura dentro de casa e a
influencia da família
Capital Cultural – Tudo bem a educação
é um fator preponderante, mas quando as pessoas respondem: “não me interessa”,
elas não estariam mascarando e, na verdade, escondendo à verdadeira resposta
que seria “não tenho grana”, “isso é muito caro”?
João Leiva –
Não acredito, pois a segunda resposta mais citada é exatamente: “não tenho
dinheiro”. Temos que levar em conta que entre pessoas com nível superior, o que
pressupõe uma melhor condição econômica, a resposta mais citada também foi a
falta de interesse. Há uma camada da população, independente de classe social
que sequer olha o preço, ela simplesmente não se interessa mesmo. Acho que a
hora que estas pessoas se passarem a consumir cultura este traço da falta de
dinheiro poderá aparecer com mais intensidade. Acredito que com as
transformações que estão acontecendo na sociedade o interesse pelos bens
culturais tenderão a aumentar, pois o nível de escolaridade da sociedade está
aumentando. Acredito que antes da barreira financeira existe uma barreira
psicológica quando esta barreira for quebrada o interesse vai aumentar.
Capital Cultural - Tanto na Conferencia Municipal, quanto na Estadual ficou claro que vivemos numa Cidade Partida. As pessoas, das periferias, das comunidades dos subúrbios podem até curtir e gostar da cultura apresentada nos museus, teatro e salas de concerto mas ainda há uma falta de identificação com essas manifestações. Defendem um investimento na cultura que lhes é de pertencimento como o jongo, capoeira, o hip hop e o samba de raiz, dentre outros. Há os que acreditam mesmo que esta imposição cultural estes altos investimentos na cultura que consideram européia e de elite é um grande desrespeito e uma segregação camuflada...
João Leiva -
Não conheço a fundo os investimentos da Secretaria de Cultura, mas acho que o
papel da secretaria é o de descentralizar os investimentos. Não foi o foco
desta pesquisa, mas se fizermos um mapeamento de onde estão concentrados os
equipamentos, de fato, há uma
concentração localizada. A produção cultural e, por consequência a cultura,
passa por um momento delicado: os cinemas de rua estão morrendo e migrando para
shopping, os espaços destinados aos teatros estão sendo usados para outros
fins, os equipamentos culturais tradicionais estão em xeque. É preciso
pulverizar e fazer equipamentos menores perto dos bairros. Em cidades grandes
você ficar duas três horas para se deslocar e isso colabora para que as pessoas
desistam. A questão da cultura popular precisa ser incentivada. É necessário se
criar espaços para as culturas populares, coretos, rodas de capoeira, shows ao
ar livre, exposições a céu aberto, dança, circo e teatro. É preciso música nas
praças e espaços públicos. Sim, concordo que é preciso repensar a maneira na
qual estamos fazendo cultura.
Capital Cultural – Por mais que
tenhamos pudor para falar sobre o assunto, se você faz um corte racial, as
manifestações dos negros – capoeira, jongo, samba, maculelê – são manifestações
coletivas que remetem à ideia de terreiro, praças, espaços abertos. Se você faz
este mesmo corte em relação à cultura considerada dos brancos e da elite, você
se depara com uma cultura de salas de concertos, óperas, algo mais refinado,
sofisticado e excludente. Um corte racial não possibilitaria um perfil perfeito
de nossas necessidades culturais?
João Leiva –
Veja bem sou paulista que pesquiso cultura e gosto de estudar história. A
questão racial no Brasil é, de fato, muito complexa. Estudei em uma escola de
elite em São Paulo
e durante minha formação não tive a dimensão do que representou a escravidão em
nossa sociedade. Nas escolas a informação que nos é dada nos deixa a percepção
de que a trajetória do negro não foi uma coisa tão grave. O assustador é que
quando você começa a tomar conhecimento percebe que coisa é bem mais barra
pesada que se possa imaginar. A cultura negra está muito mais próxima da
realidade do Rio que de São Paulo. Acho que é necessário se mudar o ensino do
Brasil e se recontar a história que hoje é ensinada e que está muito distante
da realidade. Penso que da mesma forma que deve ser difícil para para os
alemães contar a história do nazismo, é também difícil para o sistema
educacional do Brasil mostrar o período da escravidão e todas as consequências
e mazelas advindas deste período. Precisamos de fato ter um investimento não só
na preservação da cultura negra, mas usarmos isso a favor do Brasil. Precisamos
de mais intercâmbios na área de música, dança e toda e qualquer manifestação
dos negros. Precisamos estimular estas às potencialidades que existem e estão
silenciadas.
Capital Cultural – Os meios de Comunicação poderiam ter um
papel fundamental neste processo...
João Leiva - Não,
não podemos esperar pelos meios de comunicação e achar que eles farão isso. É
preciso que a sociedade se organize e faça com que as coisas aconteçam. Não me
parece que os meios de comunicação estejam dispostos a investir nestas
manifestações populares e, neste sentido, temos que ter cuidado, pois a cultura
muda com muita velocidade e intensidade. Não podemos perder de vista que
hábitos culturais desaparecem que línguas morrem e, se a sociedade não ficar
atenta, a parte da cultura popular que não representa possibilidade de lucro
acaba, vai para o vinagre. Esta questão das manifestações dos negros é muito
séria e em paralelo a isso, tem a religiosidade. Não me lembro exatamente, mas
no universo da pesquisa 7% dos
entrevistados se assumiram de religiões africanas.

João Leiva –
Esse ponto é um ponto chave na discussão. Quando você vai discutir Lei Rouanet
você questiona porque ela funciona para a indústria do entretenimento e não
para as manifestações culturais. O cinema para sobreviver teve que ir para
dentro de shopping. Isso tem um lado bom e um lado ruim, pois desta forma você
consegue preservar o cinema, mas por outro, você perde a diversidade cultural.
Discordo das abordagens tradicionais e do discurso de que deve se afastar a
arte da cultura. Não dá mais para linguagens diferentes não estabelecerem um
diálogo e encontrarem alternativas. É preciso estabelecer diálogos e pontes e
encontrar saídas para o trabalho artístico com menos interesse comercial. É
preciso buscar estratégias que possa fazer o público se interessar. É preciso
buscar a força das Blockbusters, (rede de locadoras e lojas de conveniência),
pois em muitas ocasiões as pessoas acabam desenvolvendo interesse pelo cinema,
teatro ou museu indo a uma Blockbuster. É uma questão de informação. Acho que o
primeiro passo é atrair a pessoa. Mas é preciso
ter cuidado e não deixar que em razão da força do mercado se imponha uma
política de entretenimento. É preciso encontrar saídas. Veja um exemplo
curioso: os musicais estão bombando e a grande vantagem é que não são os
musicais vindos de fora e sim os criados aqui e inspirados em temas nacionais.
É um espetáculo caro, sim é. Apenas uma parcela da sociedade assiste? - isso é
verdadeiro, mas temos que buscar ferramentas para transformarmos isso em algo
positivo. Ao invés de ficarmos numa posição de crítica, temos que aproveitar
esta maré favorável e a partir daí, investirmos na formação de técnicos,
diretores e atrair o interesse do público. Você pode fazer um musical
aproveitando temas como nossa música e nossa cultura. O próprio carnaval é um
grande espetáculo musical
Capital Cultural – É curioso este distanciamento e
desinteresse do povo, pois quando a festa é promovida pelo povo, ele é capaz de
se organizar e fazer bem feito. Ao que
parece o problema começa com administração do poder público composto por
pessoas acadêmicas, elitistas com um perfil Zona Sul, sem preparo ou
competência que, naturalmente, vão contemplar as manifestações de pertencimento
delas.
João Leiva –
Concordo em grande parte com o que você falou, mas não podemos nos esquecer de
que tivemos recentemente um Ministro negro que tentou mostrar ao país que a
cultura não é só esta coisa elitista e enquadrada deste pseudo profissionalismo
de preencher formulários. Gil foi um ministro que apostou muito nisso e ai
concordo que sua origem negra pode ter sido um componente dos mais importantes
para entender a questão. Acredito que hoje seja difícil encontrar no cenário
cultural e gestores com os olhos fechados para esta realidade. Acho que o
problema na maioria dos casos é mesmo falta de recurso e como fazer estes
recursos chegarem até a ponta. Penso que os Pontos de Cultura deveriam ser
administrados pela gestão Municipal. De início era uma ação Federal, se
transformou numa ação Estadual, mas acredito que agora o ideal seria o Município
administrar isso.
Capital cultural – Os Pontos de Cultura
possibilitaram os fazedores de cultura a ter uma maior proximidade com o poder
público. Houve uma ponte maior, um maior diálogo.
João Leiva –
Na cultura é fundamental manter o diálogo. Em muitos momentos a cultura perde
espaço pela falta de dele. Enquanto o cara que tem o dinheiro (Fazenda, casa
Civil) pode investir, ele acaba tendo que ficar aguardando as divergências, as
polêmicas das pessoas da cultura que ficam se digladiando. É sempre a eterna
briga entre o que é comercial e alternativo, entre o público e o privado, a
eterna queda de braço entre a Região Sudeste contra a Região Nordeste e os
bairros mais abastados contra a periferia. Estas são discussões que não levam a
lugar nenhum só evidencia mais as distâncias e a falta de diálogo entre os
produtores culturais e facilitam a vida de quem administra a grana que fica só
olhando e segurando o dinheiro.
Capital Cultural – Nossa cultura sempre foi relegada a um
segundo plano e colocada de lado. Você diria que Gilberto Gil possibilitou o
diálogo, que serviu como ponte e foi um
divisor de águas?
João Lira –
Acho que sim. Ele mudou a cena, o cenário e foi a possibilidade de se pensar
cultura em todos os níveis e segmentos. A Lei Rouanet tem 21 anos, e passou por
um momento positivo no segundo governo de FHC e um momento altamente positivo
com o Gil que estabeleceu um novo olhar e plantou muitas sementes que ainda não
foram colhidas. Os pontos de Cultura ainda são uma questão mal resolvida. Hoje
o Poder Público não pode mais fechar olhos para uma série linguagens,
territórios e manifestações.